quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Auschwitz, 27 de Janeiro de 1945

Elie Wiesel, prémio Nobel da Paz, que retratou a sua vivência de sobrevivente dos campos de extermínio num livro para não esquecer, “Noite” (Ed Texto), ao referir-se um dia aos carrascos nazis de Auschwitz-Birkenau, disse:
“Deus, não tenhas compaixão para com aqueles que criaram este lugar; não perdoes aqueles que assassinaram milhares de crianças judias que aqui estiveram; lembra-te das procissões de crianças e mais crianças...”
Luís Ramos publicou no Expresso on line do passado 27 de Janeiro uma reportagem audiovisual que é igualmente inesquecível. Foi a Júlia Coutinho quem no-la indicou: http://expresso.clix.pt/Multimedia/Interior.aspx?content_id=376422 e consideramos um dever de memória divulgá-la.
A talhe de foice, fica também aqui um breve resumo do que foi Auschwitz, o campo da morte mais demente e horroroso do totalitarismo nazi, recorrendo às notas de um jornalista da France Presse, Hille Van Elst

Quando o mundo descobriu os campos nazis
No dia 27 de Janeiro de 1945, os soldados do 60º corpo do Exército Vermelho entravam no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, no sul da Polónia. Aí encontraram sete mil deportados num estado de agonia indescritível.
Os nazis deixaram aqueles sete mil moribundos sem água nem mantimentos, por acharem que o estado em que se encontravam não permitia, de modo algum, a sua evacuação para outro campo. Os restantes 60 mil prisioneiros foram conduzidos em marcha acelerada para campos situados a Oeste. Foi a “marcha da morte” – a maioria morreu por cansaço, fome ou de tiro, em desesperadas tentativas de fuga.
O III Reich instalou em Auschwitz a maior fábrica de morte, das várias que montou entre a Alemanha e a Polónia. Aí, entre 1942 e 1945, foram asfixiadas com gás Zyclon B, depois queimados em fornos crematórios, um milhão de judeus vindos dos países ocupados pela Alemanha. Havia ainda prisioneiros de guerra polacos (80 mil) e soviéticos (15 mil), ciganos (20 mil) e 12 mil de diversas nacionalidades. Auschwitz, pela sua descomunal dimensão, tem o triste registo de maior cemitério da História.
Os alemães criaram o campo pouco depois da invasão da Polónia (Setembro de 1939). A construção começou no Verão de 1940, a partir de um antigo quartel em Oswiecim (nome polaco de Auschwitz). Inicialmente destinava-se aos opositores polacos, mas a partir de 20 de Janeiro de 1942 a sua finalidade passou a ser outra. A reunião do estado-maior nazi, que se realizou em Wannsee, decidiu proceder a partir dali à “solução final do problema judeu”.
O campo foi-se alargando, até chegar a Birkenau e ocupava uma área de mais de 200 hectares. Em 1941 foi utilizado para prisioneiros de guerra soviéticos e resistentes capturados na Jugoslávia, França, Áustria e na própria Alemanha. Funcionava como reservatório de mão-de-obra para a indústria alemã. Esta sua função nunca deixou de ser utilizada, mas a partir de meados de 1942 foi também a principal unidade de liquidação dos povos judeu e cigano – considerados “degenerados”.
As levas de deportados eram tríadas à chegada: idosos e crianças para um lado, adultos para outro; homens para uns barracões e mulheres para outros. As crianças, os idosos e os deportados de condição física débil eram conduzidos para as câmaras de gás, disfarçadas de chuveiros. Às vezes, se o campo tivesse capacidade para isso, eram liquidadas no próprio dia em que chegavam.
Auschwitz passou a ser igualmente um “espaço científico” experimental. Josef Mengele, nomeado médico-chefe do campo em 1943, desenvolveu aí um projecto de investigação de gémeos uniovulares, utilizando cobaias humanas.
Foi no Verão de 1942 que o campo se alargou até Birkenau e equipado com fiadas de fornos crematórios, ficando Auschwitz reservado para a recepção dos detidos e para os prisioneiros destinados a trabalhos forçados.
A indústria da morte aperfeiçoou-se e atingiu o seu clímax em 1943, com 20 mil pessoas a serem liquidadas diariamente nas câmaras de gás e cremadas em seguida nos fornos. Comboios vindos dos vários extremos da Europa ocupada pelos nazis, da França à Grécia, da Bélgica aos países bálticos, chegavam em cadência crescente, pois tinham prioridade sobre qualquer outro transporte, incluindo o militar. Traziam levas de seres humanos que descarregam no cais do campo de Auschwitz, onde, sob força militarizada, se processava à separação, segundo a idade e o sexo.
Os últimos meses de vida no campo foram particularmente lancinantes, à medida que a derrota nazi se avizinhava. Antes de abandonar o campo, os nazis tentaram destruir as câmaras de gás e os fornos. Não o puderam fazer na totalidade porque as ordens que vinham de Berlim eram de continuar até ao último momento com a “solução final”.
As tropas do Exército soviético aceleraram a marcha e há precisamente 53 anos ocuparam o campo. Foi o estupor que esta realidade provocou junto dos soldados que levou a que os campos de morte nazis se transformassem rapidamente em lugares de memória.

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