segunda-feira, 30 de abril de 2007

Homenagem a Palma Inácio



Palma Inácio fez da sua vida a bandeira da liberdade

Considerado «perigoso» foi preso e torturado pela PIDE. O amor pela liberdade nunca o deixou vergar-se perante a ditadura

Participou numa tentativa de golpe de Estado, protagonizou o primeiro desvio político de um avião, participou no assalto ao Banco de Portugal na Figueira da Foz, planeou tomar a Covilhã. Aos 85 anos, Hermínio da Palma Inácio vai ser homenageado na sua terra-natal, Ferragudo.

Foi nesta pequena aldeia de pescadores, no concelho de Lagoa, que nasceu em 1922, mas passou a juventude em Tunes, no concelho de Silves.

Hermínio Palma Inácio foi um homem de combate pela liberdade e pela democracia.

Sem partido ou ideologia, Palma Inácio, como um verdadeiro homem da terra, arregaçou as mangas e pôs mãos à obra contra a ditadura de Salazar. Ditadura que estrangulou Portugal durante 48 anos.

Desde jovem que mostrou garra e vontade de mudar o cenário político. Aos 18 anos, abandonou Tunes e alistou-se voluntariamente na Aeronáutica Militar, sendo colocado na Base Aérea nº 1, em Sintra.

Aqui tirou o curso de mecânico de aeronaves e o de piloto civil para aviação comercial. Foi também nesta altura que estabeleceu relações com Humberto Delgado e com os círculos contestatários a Salazar.

Jovem sonhador e amante da liberdade, Palma Inácio viveu tentando cumprir a missão da sua vida: devolver a liberdade ao povo português.

«Conheci-o em Paris, em 1969. Ele tinha acabado de fugir da cadeia», relembrou o médico Ruy Pereira, amigo do tempo de exílio em França, que hoje vive no concelho de Lagoa.

«Encontrámo-nos como resistentes antifascistas. Palma era um combatente. Sempre preocupado com a acção. A sua única obsessão era a acção», contou ao «barlavento» Ruy Pereira.

Palma Inácio conseguiu sempre fugir aos tentáculos da PIDE, tendo, pelo meio, protagonizado algumas das mais rocambolescas acções de luta pelo derrube da Ditadura.

Em 1947, participou numa tentativa de golpe de Estado, ao lado de vários oficiais generais, entre eles o general Marques Godinho. O papel de Palma Inácio consistia em sabotar os aviões. Cumpriu a missão como planeado, mas a operação correu mal.

Começou aqui a sua primeira fuga. Foi preso perto de Loures e encarcerado no Aljube. Torturado durante doze dias e impedido de falar durante cinco meses, Palma Inácio nunca revelou o nome do oficial que o tinha incumbido da operação.



«Nós dizíamos que as celas [no Aljube] eram as gavetas. Tinham qualquer coisa como três metros por um metro e meio. Mantinham os presos isolados, para os intimidar. Era uma grande pressão psicológica, nomeadamente através da supressão do sono. Palma passou muitos dias em supressão de sono», explicou o amigo Ruy Pereira.

Mas nada demoveu Palma Inácio. «Era um homem de combate à ditadura. A essência da sua luta era o derrube da ditadura e conquista da liberdade», asseverou Ruy Pereira.

O algarvio fleumático protagonizou também o primeiro desvio político de um avião, que haveria até de fazer as manchetes nos jornais internacionais.

Na manhã de 10 de Novembro de 1961, véspera das eleições gerais em Portugal, Palma Inácio e mais quatro operacionais tomaram de assalto o avião da TAP que fazia o percurso Casablanca para Lisboa, obrigando o piloto a sobrevoar a capital a baixa altitude, lançando panfletos antifascistas sobre a capital portuguesa.

Mas foi o assalto ao Banco de Portugal da Figueira da Foz que fez correr muita tinta nos jornais. O grupo de operacionais que acompanhavam Palma Inácio, e que viriam a formar a LUAR (Liga de Unidade e Acção Revolucionária), estudaram as alternativas para angariar fundos para a sua causa.

Para os revolucionários, deveria ser o próprio regime a pagar as ofensivas revolucionárias. O assalto ao Banco de Portugal da Figueira da Foz foi considerado o mais rude golpe de que há memória nas finanças da Ditadura.

O grupo levou cerca de 30 mil contos, fugiu num avião, que o trouxe até Vila do Bispo, de onde fugiu de carro para Espanha e depois França.

Depois deste, talvez o seu plano mais arrojado tenha sido a tentativa de tomada da Covilhã. Tomar a cidade, fazendo explodir todos os seus acessos, nomeadamente estradas e pontes, era um dos objectivos desta operação da LUAR.

No entanto, foi uma tentativa mal conseguida. Palma Inácio foi preso, seguiu para Lisboa para depois ser julgado no Porto. Através da ajuda da sua irmã, a residir em Londres, o algarvio evadiu-se novamente da prisão, sem deixar rasto.

«O que mais admiro nele é a sua coragem, a sua honestidade em relação à luta. Tinha e tem uma personalidade íntegra, era muito preocupado com os aspectos pragmáticos», contou Ruy Pereira.

Considerado pela PIDE como um dos indivíduos mais perigosos, quem o conheceu de perto sabe bem o valor de um homem que tudo fez para lutar contra a repressão.

«Era uma pessoa calma. Comunicava segurança. Era desportista, tinha uma grande disciplina física e mental. O Palma era corajoso e a sua presença dava coragem aos outros».

Hoje, com 85 anos, Palma Inácio reside num lar em Lisboa, fundado por antigos alunos da denominada «Velha Guarda Casapiana».

Em breve, a terra o que o viu nascer vai prestar homenagem ao homem que se «casou com a revolução».


«Revolucionário ingénuo» preocupado com as suas gentes

Era ainda um jovem quando se alistou na Aeronáutica Militar. Aí aprendeu a profissão de mecânico e tirou o curso de piloto civil para a aviação comercial. O monstro da II Guerra Mundial pairava sobre a Europa.

Atento ao racionamento de comida a que os seus conterrâneos estavam sujeitos, pegou num avião Tiger e lançou pelos ares alimentos.

Numa entrevista à revista «Grande Reportagem», em 2000, o contestatário algarvio explicou que, durante a II Guerra, «havia falta de comida, sobretudo daquela que os portugueses mais gostavam, o bacalhau. E havia na Figueira da Foz uma grande seca de bacalhau que tinha ao lado um campo de aviação pequeno. Nós íamos lá, aterrávamos, comprávamos o bacalhau, embrulhávamos o bacalhau em plástico e depois lançava-o sobre Tunes [no Algarve]».

Ferragudo mostra orgulho em Palma Inácio

Nasceu na vila de Ferragudo, em 1922, no seio de uma família humilde de ferroviários. Na altura em que se comemoram os 33 anos da Revolução de 25 de Abril, a Junta de Freguesia de Ferragudo vai homenagear Hermínio da Palma Inácio.

No dia 1 de Maio, às 11 horas, será atribuído o seu nome a um largo da vila, seguindo-se a inauguração de uma exposição sobre Palma Inácio, na ACD Ferragudo.


Texto de Mara Dionísio, publicado no Jornal Barlavento na sua edição on-line

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