sábado, 31 de março de 2007

Biografia de Soeiro Pereira Gomes

O livro A passagem. Uma biografia de Soeiro Pereira Gomes, de Manuela Câncio Reis, acaba de ser lançado pela Editorial Caminho. A autora é víuva do escritor biografado e foi compositora musical.
Aproveitamos a ocasião para reproduzir as palavras de apresentação da obra pela sobrinha do biografado, Isabel Câncio Reis Nunes:
"Através da ternura das gentes de Alhandra, Joaquim Soeiro Pereira Gomes acompanhou a minha vida de menina. Conheci-o nas ruas e... nas gentes de Alhandra... e conheci as ruas... e as gentes... de Alhandra pelos olhos do tio Joaquim. Manuela leva-nos aqui ao encontro não só de Soeiro, o político, o autor, o humanista mas também de Joaquim, rapaz alegre e brincalhão, o irmão, o amigo, o cunhado... o marido; o Quinzinho de Gestaçô; o Joaquim das guitarradas, dos despiques, das baladas e outras estudantices de Coimbra.
Tal como Consuelo Saint-Éxupery, muitos anos depois de o criador de O Pequeno Príncipe ter desaparecido, Manuela Câncio Reis oferece-nos uma jóia da memória - a biografia de um Homem. Estou-lhe grata pelo privilégio de me ter entreaberto a porta da sua intimidade.
Não conheci Soeiro Pereira Gomes, não conheço Soeiro Pereira Gomes. Só conheço o tio Joaquim, o meu primeiro Herói!"

sexta-feira, 30 de março de 2007

TRIGO LIMPO FARINHA DESAMPARO

Cela da Prisão de Caxias


Ainda a indignação. Não apaguem a Memória!

Este texto de Regina Guimarães a propósito do Concurso da RTP "O maior português de sempre", foi por ela escrito "de rajada", como diz, no momento em que soube que Salazar tinha ganho o referido concurso.
Porque reflecte o pensamento e a indignação de muitos portugueses, entendemos transcrevê-lo:

"Salazar foi eleito, via tv-telemóvel, o «melhor português de sempre». Democraticamente, facto que ele não teria, tanto quando se sabe, apreciado.
Aqueles que defendem a utilidade pública do instrumento televisivo talvez (ou talvez não) encontrem aqui matéria de reflexão.
Certo é que, facto inédito desde 25 de Abril de 1974, o nosso ditador (e, atrás dele, os seus semi-ocultos acólitos) beneficiou de um longo «tempo de antena», sendo que as consequências dessa legitimação já se fazem sentir em contextos tão diferentes quanto a pintura de um mural na Faculdade de Letras de Lisboa (e destruição sistemática de todo o material impresso de protesto antifascista afixado nessa instituição) ou o eufórico apadrinhamento de um museu dedicado ao avô cavernoso em Santa Comba Dão. A aura de self-made man – vindo do nada e, a pulso, chegado a um top lugar de chefia – tem porventura algum peso na «adesão» que a sinistra figura suscita entre os jovens (aqueles que não levaram com meio século de obscurantismo e infâmia), num quadro socio-político em que a precarização generalizada ameaça tornar ainda mais eficazes os mecanismos de selecção social (através da escola, por exemplo).
É pena que no Portugal profundo e profundamente sinistrado (do qual a Beira e Santa Comba Dão fazem parte) não se elevem vozes esclarecidas e capazes de explicar o processo de desertificação do interior do país (decorrente de obtusas políticas agrícolas do Sr. Esteves, como dantes lhe chamavam), o êxodo rural e a emigração em massa (potenciados pela guerra colonial e pela porca miséria ali então reinante).
É pena que nunca se tenha preenchido com discussão pública esse enorme hiato histórico que resultou do derrame migratório (para Áfricas, Américas, Araganças, Franças, Germânias, etc.) – como, de resto, também não se julgou indispensável, em terra de brandos costumes, tornar do conhecimento geral as actividades dos repressores profissionais da PIDE/DGS, secundados por uma horda de amadores, ditos «bufos», para quem a vida do próximo e do vizinho não valia um caracol – com a bênção, ora pois, da Santa Madre Igreja. (Já agora, para quando a definitiva separação Igreja/Estado, a começar pela extinção das aulas de Religião e Moral - com este ou outro nome - nos estabelecimentos de ensino público, causa tida como «menor» tal como menores foram sendo tidas as mais nobres causas políticas, por parte de largas camadas da intelectualidade e da burguesia instruída - em quê? - portuguesa?).
Este silêncio de macacos bem comportados há-de custar-nos couro, cabelo e massa encefálica. A menos que achemos pitoresca a perspectiva de voltar a viver no país do medo, da tristeza e da saudade difusa, num país em que «o negro é cor» – assim era Portugal apresentado à estranja, por um célebre slogan turístico do tempo da «outra senhora». A menos que se nos afigure pacífico oferecer lugares ao sol aos que, na sombra, reedificam ideais autoritários e práticas repressoras, reclamando a liberdade de acabar com a liberdade.
A menos que ansiemos pelo «come e cala» neste nosso reino à beira-mar estrumado e chamuscado.
A menos que, ciosos da nossa identidade pseudo-lusa, incolor e inodora, prefiramos, ao caos e ao conflito (que são a própria matéria da vida real e sonhada) um rosário de praças do «lá vem um», onde urgirá dispersar ajuntamentos de três pessoas, multiplicar analfabetos e purgar os que também pensam com as vísceras.
Para que serve uma Escola dirigida por gente que, insanamente divorciada do estudo das violências que dilaceram o tecido social, da necessidade de teorização crítica sobre as muitas formas de mutismo e afasia que afectam os novos danados da terra, se furta ao primeiro dever do trabalhador intelectual: transformar o pensamento em acção?
É neste modelo de Escola que um reitor se escusa a tomar medidas contra a escalada da extrema-direita no seio do seu estabelecimento, argumentando confiança no «bom senso» dos estudantes... É neste modelo de Escola que impera, portanto, o tique e o vício de raciocínio que milénios de esforço pensante e muitas gerações de apaixonados pelo conhecimento denunciaram e tentaram (em vão?) combater."

quarta-feira, 28 de março de 2007

Dia 30 de Março - 11,15 horas - A nossa Petição vai ser discutida

É já dia 30/03, sexta-feira, que a Petição do Movimento Não Apaguem a Memória vai ser discutida na Assembleia da República.

Pela importância de que se reveste depois da luta por nós travada e pelo seu significado histórico, a presença do Movimento nas galerias da Assembleia da República deverá ficar marcado por uma forte presença.
A todos os que possam lá estar, informamos que o ponto de encontro é à porta de entrada para as galerias, cerca das 10.30 horas.


A Petição, apoiada por mais de 6.000 cidadãos, teve o seguinte agendamento:

“Petição n.º 151/X/1.ª (Movimento Cívico «Não apaguem a memória») - Reclamam a criação de um espaço público nacional de preservação e divulgação pedagógica da memória colectiva sobre os crimes do chamado Estado Novo e a resistência à ditadura, condenam a conversão do edifício da sede da PIDE/DGS em condomínio fechado e apelam a todos os cidadãos e organizações para preservarem, de modo duradouro, a memória colectiva dos combates pela democracia e pela liberdade em Portugal.
Tempos: 5 minutos a cada Grupo Parlamentar e ao Governo” .



Para que todos se lembrem - esta é a Petição pelo Dever da Memória:

"No passado dia 5 de Outubro, um conjunto de cidadãos reuniu-se junto à antiga Sede da PIDE/DGS, reafirmando o protesto público contra a conversão daquele edifício em condomínio fechado e contra o apagamento da memória do fascismo e do sofrimento causado aos portugueses. No local, ficou então uma faixa com os nomes de muitos dos que foram assassinados pela ditadura que oprimiu Portugal durante quase 50 anos. É finalidade desta iniciativa cívica continuar essa acção, convertendo-a no impulso simbólico dum vasto movimento de cidadãos, plural e aberto, de exigência da salvaguarda, investigação e divulgação da memória do fascismo e da resistência, como responsabilidade do Estado, do conjunto dos poderes públicos e da sociedade. 1. Reclamamos dos poderes públicos que, mais de 30 anos passados sobre o 25 de Abril, assumam a responsabilidade de constituir um espaço público nacional de preservação e divulgação pedagógica da memória colectiva sobre os crimes do chamado Estado Novo e a resistência à ditadura, que aproveite os espaços emblemáticos dessa realidade como são o Aljube, o Forte de Peniche, Caxias, a sala do plenário da Boa-Hora, a sede central da PIDE/DGS e a sua Delegação do Porto, e que coordene a sua acção com o valioso trabalho desenvolvido neste domínio por diversas instituições; 2. Condenamos a conversão do edifício da sede da PIDE/DGS em condomínio fechado e exigimos a criação de um espaço e de um elemento memorial naquela área, que assegurem a memória e a homenagem ao sofrimento de muitos portugueses e a condenação dos crimes cometidos pela polícia política do fascismo, que constituiu um dos principais pilares da ditadura; 3. Apelamos a todos os cidadãos e organizações que multipliquem, partilhem e tomem nas suas mãos, pelas formas e iniciativas que entenderem, a preservação duradoura da memória colectiva dos combates pela democracia e pela liberdade em Portugal, como elemento indispensável à construção de um futuro melhor. Porque sem memória não há futuro.

Outubro de 2005 "

O Grupo de Comunicação

Exemplos inspiradores: o caso argentino (um livro, um site e um museu)

Luís Mateus, membro do Movimento, propôs que se aprofundasse o conhecimento sobre casos de repressão ditatorial no século XX similares aos do regime salazarista (retomando informações que já houvera dado sobre o caso argentino). Esta é uma via preciosa para se consolidar a reflexão e debate em Portugal sobre uma política museológica e da memória que reflicta sobre o passado ditatorial.
Aproveito então o repto para dar dados sobre 3 iniciativas: um livro, um site e um museu.
O livro intitula-se Memoria en construcción: el debate sobre la ESMA, foi escrito por Marcelo Brodsky em 2003, e pretende devolver-nos o que foi o antigo centro de detenção da Escuela de Mecánica de la Armada (ESMA), campo de tortura e extermínio da Ditadura militar argentina (1976-1983). Para o efeito recorre a fotos dos presos, plantas do edifício, reconstruções de «salas de tortura» e de celas dos presos, textos do historiador Felipe Pigna, da jornalista María Seoane, dos sociólogos Horacio González e Alejandro Kaufman, do forense Maco Somigliana e da ex-presa Lila Pastoriza. O livro mostra ainda obras de 65 artistas alusivas a este tema., contém documentos vários e algumas das propostas de uso desse complexo. Recensão de Patricia Kolesnicov em «Las caras del horror: un libro con fotos tomadas dentro de la ESMA» (Clarín, 14/XI/2005).
O site chama-se Zona Abierta, e pretende ser uma "selección inicial y fragmentada de ideas y propuestas, reflexiones y comentarios, pensamientos y publicaciones referentes a diversas problemáticas que hacen a la memoria del pasado reciente en general y a la ESMA en particular, como disparos al infinito para ser alcanzados como legados en el tiempo por vivir".
O museu, designado por Espacio para la memoria y para la promoción y defensa de los derechos humanos, foi criado em 2003, resulta dum acordo entre Estado central e autarquia da capital e funcionará na ESMA. As propostas para o espaço vieram de várias associações cívicas e dos governos locais e nacionais (vd. aqui). Para consultar a legislação entretanto aprovada vd. aqui.
*
Nb: imagens retiradas do site e do jornal Clarín.

Centenário do nascimento de Miguel Torga (1907-1995)

Comemora-se este ano o centenário do nascimento do médico Adolfo Rocha (1907-1995), mais conhecido como Miguel Torga, seu pseudónimo literário. A efeméride está a ser evocada por todo o país. Das várias iniciativas em andamento, destaque-se por ora 5 delas.
Em 1.º lugar, o Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo lançou agora on-line partes do processo do escritor na PIDE (vd. aqui; nb: infelizmente o acesso aos documentos digitalizados parece necessitar dum software específico que não é referido).
Em 2.º lugar, o historiador Renato Nunes vai lançar brevemente o livro Miguel Torga e a PIDE - a repressão e os escritores no Estado Novo, da editora coimbrã Minerva, com prefácio de Clara Rocha (filha de Torga) e a ser apresentado por Luís Reis Torgal. Este livro inaugura uma colecção de pesquisas do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX destinada a divulgar processos similares a este, como os de Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro e Fernando Namora.
Em 3.º lugar, o jornalista Sérgio C. Andrade publica hoje no Público um cuidado dossier dedicado ao assunto, intitulado «Já está na net a devassa da PIDE à vida de Torga» (sup. P2) e donde se retirou grande parte da informação aqui disponibilizada.
Em 4.º lugar, a Biblioteca Municipal de Arganil colocou em linha um núcleo dedicado ao escritor, com a sua biografia, bibliografia activa e muito material iconográfico.
Por fim, a Delegação Regional de Cultura do Norte prepara uma exposição com os referidos documentos, a inaugurar em Outubro, em Vila Real.
Para Renato Nunes, o processo de Torga documenta "o interesse quase obsessivo da PIDE pelos vários domínios da vida do escritor", patente em todas as dimensões da sua vida pessoal: "as violações sistemáticas da correspondência, o registo das suas viagens, dos encontros com amigos, até os rendimentos da sua actividade como médico".
Como refere ainda Sérgio C. Andrade, foi "uma vida devassada até à intimidade". Sobre essa violência escreveu o próprio escritor no seu Diário XII (1975), quando tomou conhecimento do processo: "Vista através daquele registo laborioso e tenaz de gusanos inexoráveis, a minha vida era a própria imagem da desolação. Descarnada de qualquer substância anímica, mais objectivamente exacta do que a biografia que porventura aflora à tona do que escrevi, parecia o relato de uma autópsia".
O escritor Miguel Torga foi preso em 1939 pelas ideias expressas no livro O quarto dia da creação do mundo, e toda a sua vida foi vigiado de perto pela PIDE. Sobre a sua passagem pelos cárceres do Aljube escreveram Artur Pinto e Margarida Sousa Reis o texto «Miguel Torga e o Aljube».
O autor de Novos contos da montanha foi também perseguido pelos Serviços de Censura, que lhe apreenderam vários dos seus livros e lhe censuraram inúmeros escritos seus na imprensa.
PS: uma biografia de Torga contendo bibliografia passiva seleccionada pode ser lida aqui.

terça-feira, 27 de março de 2007

"Há quem prefira ser escravo a ser livre"

É, é verdade que foi uma farsa, mas mesmo assim foi à custa do erário público e houve 50 mil chamadas (7 mil das quais para o ditador). E as 2 sondagens entretanto feitas, pela Marktest e a Eurosondagem, colocam o tirano no 4.º e 7.º lugares das preferências dos inquiridos, respectivamente, o que já dá mais que pensar (vd. P2, 27/III, p. 4-5). Por tudo isto, vale a pena meditar na imagem de Zé Dalmeida (intitulada «A morte saiu à rua... numa RTP assim», do seu blogue Pitecos) e na análise de José Vitor Malheiros («A única eleição que Salazar ganhou»), de que aqui fica um excerto relevante:
"Salazar no top diz-nos que a sociedade autoritária, repressiva, retrógrada, machista, fechada, pobre, colonialista e de guerra criada pelo ditador de Santa Comba se transformou na memória de muitos num paraíso de ordem, respeito e honestidade, gerido com bonomia por um burguês paternal de fato de três peças. O que nos lembra que a história se reescreve todos os dias, que as lições da história nem sempre se aprendem, que a democracia é frágil e que, por muito que isso nos repugne aceitar, há quem prefira ser escravo a ser livre.
Diga-se que há algo no formato do concurso que é desagradável em si e é lamentável que a estação pública de televisão tenha querido ser o seu promotor. O formato dos Grandes Portugueses e a eleição do «maior» de todos eles (com o repugnante slogan «Só há lugar para um!», à maneira da pior cultura popular americana), não se pode considerar que exalte os valores da cidadania. O formato escolhido (como, aliás, as escolhas feitas noutros países demonstram) já aponta à partida para alguém que se alcandorou a um lugar cimeiro, um lugar onde um ditador se sente certamente mais à vontade do que um escritor. Salazar sentir-se-ia (sentiu-se) à vontade neste lugar de «maior português de todos os tempos». Se lhe tivessem proposto o título, Fernando Pessoa engasgar-se-ia de riso, Luís de Camões de fúria e Aristides de Sousa Mendes sairia discretamente pela porta do fundo. É por isso que ocupam os lugares que ocupam. Que não precisam de epítetos".
(in Público, 27/III, p. 45)
Nb: outros textos específicos de José Leite Pereira, Cláudia Castelo e Daniel Melo.

segunda-feira, 26 de março de 2007

A vigília da capela do Rato

A iniciativa mais emblemática levada a cabo por católicos, contra a ditadura do Estado Novo e a guerra colonial é a vigília da capela do Rato, realizada há 35 anos. A comemoração do Dia Mundial da Paz, proposta pelo Papa Paulo VI, dá o mote à acção VI. O acontecimento é preparado por católicos ligados ao Boletim Anti-Colonial (Nuno Teotónio Pereira, Luís Moita, Isabel Pimentel, Conceição Moita) e por estudantes (João Cordovil, Galamba de Oliveira, António Matos Ferreira), sendo a ligação entre os dois grupos estabelecida por Francisco Cordovil. Sábado, dia 30 de Dezembro de 1972, na missa das 19 e 30 da capela da JEC, na Calçada da Rocha Cabral, ao Rato, um grupo de cristãos surpreende o celebrante, Pe. João Seabra Dinis, ao declarar publicamente que tenciona realizar na capela uma jornada de 48 horas de «greve da fome» e de reflexão acerca da guerra colonial. Apela a cristãos e não-cristãos para que se juntem à iniciativa. Entretanto, vários petardos colocados pelas Brigadas Revolucionárias, em diversos pontos da capital e arredores, espalham panfletos apelando à solidariedade com os grevistas da fome no largo do Rato. O texto denuncia a guerra colonial como uma causa de miséria do povo português e um instrumento de dominação.
Na capela, várias centenas de pessoas prosseguem a reflexão, cerca de vinte delas em jejum voluntário. À noite, o Pe. Alberto, o responsável da capela que não pudera celebrar a missa por estar doente, com uma pneumonia, faz saber que ignora a iniciativa mas não se opõe a ela.
No domingo de manhã, dia 31, celebram-se as missas das 11 e 12 e 30, durante as quais os participantes são informados do que se passa. Simultaneamente, são distribuídas em várias Igrejas de Lisboa comunicados sobre o acontecimento que apelam à adesão de mais pessoas à vigília ou a outras acções com os mesmos objectivos: «1. Romper com o silêncio acerca do problema da Guerra em Angola, Moçambique e Guiné. Procurar a paz.//2. Declarar solidariedade com as vítimas da Guerra».
À tarde, a reflexão continua. Cerca de 300 pessoas aprovam uma moção que parte de cinco «considerandos» que se podem sintetizar numa frase: a guerra contra os povos de Angola, Moçambique e Guiné é injusta e também vitimiza o povo português. Por esta razão, repudiam vigorosamente a política do Governo português; denunciam a atitude de cumplicidade da Hierarquia da Igreja Católica; condenam a repressão sobre os trabalhadores e jovens que se manifestam contra a guerra; solidarizam-se com os povos das colónias em luta e com os portugueses empenhados na construção de uma sociedade justa; apelam a todas as pessoas conscientes que se unam na luta contra a exploração e opressão do povo trabalhador. Chega à capela do Rato uma mensagem de católicos do Porto que se solidarizam com a reunião. Por volta das 19 horas, as forças policiais começam a concentrar-se à volta da capela. Às 20 e 30 o local está cercado por dez carrinhas com polícia de choque e cães, além de viaturas de outras polícias. O trânsito é controlado e a zona encontra-se isolada. É a hora de jantar e algumas pessoas abandonam a capela para ir a casa. Por volta das 20 e 45, um comissário da PSP entra na capela e dá aos presentes ordem de evacuação no prazo de dez minutos. Segundo o relatório do comissário, as pessoas não acatam a ordem e começam a cantar em coro «Perdoai-lhes Senhor que eles não sabem o que fazem». Esgotado o tempo, a polícia diz aos participantes na vigília para se retirarem imediatamente. Os intimados protestam e querem saber se a PSP possui uma autorização do Patriarcado para entrar na capela. Alguns, entre as quais Pereira de Moura, permanecem sentados e resistem à ordem. A polícia arrasta-os. Cerca de 60 pessoas são levadas para a vizinha esquadra da PSP do Rato. Os suspeitos de serem líderes são conduzidos para os calabouços do Governo Civil e mais tarde para o forte de Caxias, onde ficam incomunicáveis. Deste grupo fazem parte Nuno Teotónio Pereira, José Luís Galamba de Oliveira, Maria Benedita Galamba de Oliveira, Francisco Pereira de Moura, Homero Cardoso, Luís Moita, Manuel Coelho Carvalho, João Cruz Morais Camacho, João da Fonseca Quá, Francisco Louçã, Hermenegildo José Carmo Lavrador, Jorge Wemans, João Pimentel e Miguel Teotónio Pereira.
Entretanto, pelas 22 horas o Pe. António Janela comparece na capela do Rato com a finalidade de preparar a missa da meia-noite. É informado pela empregada que a polícia exigia o encerramento da capela. Esta informação é confirmada pelo Pe. Janela no Comando geral da PSP: a capela devia permanecer fechada durante toda a noite e o dia 1 de Janeiro. De volta ao local de culto, o padre coloca a par da situação os católicos que tinham aparecido para participar na eucaristia. Uma vez que nenhum deles recebera qualquer indicação do Cardeal Patriarca no sentido de acatar a ordem policial, decidem celebrar a missa, encostando a porta. No dia 1 de Janeiro, pela manhã, D. António Ribeiro é posto ao corrente do que se passa e pronuncia-se pela continuação dos actos de culto habituais. Após a celebração da última missa da manhã, um oficial e um comissário da PSP intimam o Pe. António Janela a acompanhá-los. O Pe. Armindo Garcia, que se identificara espontaneamente, também é conduzido à sede da DGS.
D. António Ribeiro envia o seu secretário para exigir a libertação de ambos os sacerdotes. O Pe. Armindo Garcia é libertado, mas o Pe. António Janela continua preso e é interrogado. O Cardeal Patriarca vai à sede da DGS e recusa-se a sair enquanto o padre não for solto. Aguarda uma hora. Entretanto a capela fora evacuada e fechada pela polícia que se mantém de guarda à porta.
Rapidamente se multiplicam as edições policopiadas com relatos e comentários aos acontecimentos, a transcrição da moção aprovada e do comunicado à população. As reacções ao encarceramento dos participantes na vigília sucedem-se: são enviados ao Governo português telegramas de três comissões sindicais solidarizando-se com Luís Moita (na altura técnico sindical) e uma carta da Direcção do Sindicato dos Arquitectos dirigida ao Ministro do Interior protestando contra a prisão do arquitecto Nuno Teotónio Pereira. São entregues exposições de protesto ao Presidente do Conselho (mais de 600 assinaturas) e ao Patriarca de Lisboa (cerca de 400 assinaturas).
A demissão pelo Governo de 12 funcionários públicos acusados de participarem na vigília leva à criação, logo em Janeiro de 1973, de um novo tipo de acção solidária contra a «repressão económica», em complemento da já praticada pela Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. O objectivo é reunir fundos para pagar as cauções dos presos, os vencimentos aos funcionários demitidos e as multas aplicadas aos arguidos. Além disso, pretende-se arranjar novas colocações para os funcionários demitidos. Em Março de 1973 já se tinha encontrado emprego para nove dos doze funcionários demitidos e um décimo estava colocado temporariamente. O êxito da iniciativa acaba por ser posto em causa pelo decréscimo do entusiasmo inicial e pelo aumento da vaga repressiva – em Maio prendem-se cerca de duzentas pessoas.
O Professor Francisco Pereira de Moura é demitido do Instituto Superior de Economia, acto que causa indignação no meio académico. Este redige um texto acerca das condições em que é preso (dez dias incomunicável) e demitido, o qual é divulgado em edição policopiada.
Uma nota do Patriarcado analisa o acontecimento em 10 de Janeiro. Apesar da prudência da nota e da desautorização da vigília, pela primeira vez o Cardeal Patriarca condena uma acção repressiva concreta do Estado Novo.
As repercussões da vigília da capela do Rato obrigam o Presidente do Conselho a intervir em público, reagindo num longo discurso (37 minutos) feito na rádio e televisão, e acabam por atingir a Assembleia Nacional. Em 27 de Fevereiro, Miller Guerra trava uma discussão tornada célebre com Casal-Ribeiro em que admite discutir a presença de Portugal em África. Miller Guerra acaba por se demitir da Assembleia Nacional, juntamente com Francisco Sá Carneiro: é o golpe de misericórdia no sonho formado por equívocos e ilusões da «ala liberal» acerca da possibilidade de uma «transformação por dentro» da ditadura em democracia.
No meio católico, a vigília da capela do Rato dá um novo fôlego ao empenhamento cívico dos católicos que se traduz na criação de um movimento Justiça e Paz em Lisboa.

Petição do movimento no plenário da AR esta 6.ª feira

Comunicado de imprensa do movimento Não apaguem a Memória!– Petição no plenário a 30 de Março:
"A Petição do Movimento Cívico Não Apaguem a Memória!, apresentada ao presidente da Assembleia da República no dia 26 de Julho de 2006, vai ser discutida em plenário no próximo dia 30 de Março.
A Petição [..] foi subscrita por 4811 assinaturas devidamente validadas, num universo de mais de seis mil cidadãos que de algum modo a apoiaram. O presidente da AR, Dr. Jaime Gama, encaminhou a petição para a Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, que nomeou para seu relator o deputado Marques Júnior.
O Relatório Final da Petição nº1515/X/1ª (esta a classificação que recebeu) já foi entregue pelo deputado relator e mereceu a aprovação do presidente da Comissão, o deputado Osvaldo de Castro.
Julgamos que pelo seu significado histórico a votação desta Petição merecerá do vosso órgão de informação a devida atenção.
Com os nossos cumprimentos
Pelo Grupo de Comunicação,
António Melo"

A petição do movimento subirá ao plenário da AR c. das 11.15h e foi apresentada do seguinte modo:
"Petição n.º 151/X/1.ª (Movimento Cívico «Não apaguem a memória») - Reclamam a criação de um espaço público nacional de preservação e divulgação pedagógica da memória colectiva sobre os crimes do chamado Estado Novo e a resistência à ditadura, condenam a conversão do edifício da sede da PIDE/DGS em condomínio fechado e apelam a todos os cidadãos e organizações para preservarem, de modo duradouro, a memória colectiva dos combates pela democracia e pela liberdade em Portugal.
Tempos: 5 minutos a cada Grupo Parlamentar e ao Governo"

domingo, 25 de março de 2007

O maior dos piores (crónica)

"Ao que parece, Salazar vai ganhar o tal concurso de o melhor português. Vale o que vale. Vale bem mais o belíssimo comentário dos Gato Fedorento não se faz; um homem que toda a vida andou a evitar as eleições democráticas tem a sua primeira vitória depois de morto. Se é verdade que ele vai ganhar, se é verdade que um qualquer sindicato de voto o elegerá, fique então essa consolação de o ditador, depois de morto, ter sido sujeito à opinião livre dos cidadãos. E voltando ao tema inicial: o grande português é um prof. dr. Foi um grande sacana, possivelmente o maior sacana português. Mas era prof. dr.. Bom proveito!"
José Leite Pereira
(«O maior sacana português», JN, 23/3)
PS: vale a pena também ler a 1.ª parte desta crónica, sobre o peso da reverência no país.

sábado, 24 de março de 2007

A crise académica de 1962 na literatura de ficção

"Das vésperas da crise da Universidade à proibição do Dia do Estudante, aos confrontos em que a estudantada se desfraldou por inteiro, num rasgo de coragem igual à dos nossos tempos e muito mais determinação perante uma inovadora polícia de choque, da algidez do grande luto académico aos desagravos dos grevistas de fome em plena cantina universitária, eu sentira crescer dentro de mim a tristeza da minha condição de já não estudante. «Há muitas formas de nos solidarizarmos e de os acompanhar», dizia Raul, enfiado na sua bata branca de médico interno, perscrutando do alto do hospital num assomo de alucinação um formigueiro enraivecido a deixar-se resvalar pelas paredes das faculdades para, a seguir, atravessar a passo de enterro os relvados cobertos de luto por entre clamores de estádio e assobios de rua, enfim perdendo-se nos descampados da cidade universitária. Era um clima de guerra em que os desarmados defendiam a unidade de hoje pela união de amanhã - lema da juventude estudantil, não por um dia, por uma vida, por um destino. «Sejamos precisos e realistas: por uma geração que fosse!»"
Orlando da Costa
(Os netos de Norton, Porto, Eds. Asa, 1994, p. 125/6)

sexta-feira, 23 de março de 2007

60 anos do MUD Juvenil no Algarve

"Comemora-se hoje 60 anos do primeiro encontro do MUD Juvenil Algarvio que aconteceu na mata de Bela Mandil, perto de Olhão e que teve uma grande importância na luta contra Salazar no Algarve."

Jornal o Barlavento de Hugo Rodrigues

Acção em Bela Mandil não passou sem represálias



"Muitos jovens que estiveram presentes no Encontro da Juventude de Bela Mandil ficaram referenciados pela polícia e foram presos.

O Encontro da Juventude de Bela Mandil, em 1947, não passou despercebido, dentro e fora de portas e motivou que o Movimento de União Democrática (MUD) Juvenil e os seus dirigentes começassem a ser perseguidos pela polícia e detidos pela PIDE.

Manuel Madeira, um dos fundadores da concelhia de Olhão do movimento e participante activo na jornada dos jovens algarvios em Bela Mandil, passou, desde o dia em que o evento teve lugar, a ser um dos alvos das diversas forças de polícia.

O manifesto redigido por alguns dos dirigentes do movimento, no dia da concentração, posteriormente distribuído pela região, nem sequer foi aquilo que mais assustou as autoridades.

«O encontro deu eco. No dia seguinte, a Rádio Moscovo transmitiu a notícia», contou Manuel Madeira.

Depois de ter sido detido pela PIDE em 1947, poucos dias depois do encontro, o dirigente do MUD juvenil de Olhão ficou referenciado pelas autoridades, apesar de não ter sido aberto qualquer processo, nessa primeira detenção.

Foi mais tarde, em Silves, que Manuel Madeira percebeu que estava marcado, definitivamente.

Num dia em que se dirigiu a esta cidade do Barlavento, com alguns amigos, notou que estava a ser perseguido por um polícia, o mesmo que estava de guarda na estação de caminho-de-ferro. A ida a Silves tinha como único objectivo «passear».

Para não comprometer os amigos, que nada tinham que ver como MUD juvenil, separou-se deles. Momentos depois, era preso e interrogado pelo chefe da Polícia de Segurança Pública local.

Após um interrogatório, no qual não faltaram «uns tabefes», em que se esquivou às perguntas que lhe dirigiram, foi enviado para Faro, para a PIDE.

Daqui saiu, depois de ter recebido «uma lição de moral» do Governador Civil de então. Depois desta detenção, perdeu o emprego como funcionário público, que tinha conseguido manter depois de ter sido preso pela primeira vez."



Jovens algarvios aderiram ao MUD desde a primeira hora

"A distrital de Faro e a concelhia de Olhão do movimento de jovens foram criadas em 1946, poucas semanas depois do nascimento do movimento.

O Movimento de União Democrática (MUD) Juvenil foi criado em 1946, inspirado no movimento com o mesmo nome, dinamizado por pessoas mais velhas.

Poucas semanas depois de ter sido criado, a nível central, nasceram as duas primeiras comissões algarvias, uma concelhia, em Olhão, e outra distrital, em Faro.

A nível central, a direcção do MUD Juvenil contava com alguns elementos que viriam a ser, no futuro, referências da luta contra o regime, dirigentes políticos e artistas de renome. Mário Soares, Octávio Pato e Júlio Pomar são algumas dessas personalidades.

A concelhia de Olhão do MUD Juvenil e a distrital de Faro acabaram por ser as responsáveis pela expansão do movimento, no Algarve.

Depois destas duas, e com a ajuda delas, nasceram concelhias em Vila Real de Santo António, Tavira, Portimão e Silves. Também nasceu, ainda em 1947, a concelhia de Monchique.

Esta última não foi formada a tempo de ser uma das participantes no Encontro da Juventude de Bela Mandil.

Esta acção, que motivou centenas de detenções, acabou por colocar o MUD Juvenil entre as organizações perseguidas pelo regime de Salazar.

Apesar disso, o movimento durou por mais uma década, tendo acabado apenas em 1957, dez anos depois da jornada de Bela Mandil.

Entretanto, os dirigentes do MUD Juvenil, de todo o país, foram perseguidos pela polícia política e, muitas vezes, detidos. Os elementos algarvios da organização não foram excepção.

Só Manuel Madeira, um dos fundadores do MUD juvenil de Olhão, foi preso por quatro vezes. Em Caxias, conheceu alguns dos mais proeminentes membros do MUD Juvenil, como, por exemplo, o pintor Júlio Pomar."

quinta-feira, 22 de março de 2007

45º Aniversário do Dia do Estudante


"Comunicado
Lisboa, 26 de Março de 1962
Colega: Efectuou-se anteontem o maior atentado de sempre contra a autonomia da Universidade e a dignidade dos professores e alunos. Por ordem do Governo foi encerrada a Cantina Universitária, passando-se por cima do Sr. Reitor, das Associações e da Comissão Administrativa da dita Cantina.
Camiões da polícia, transportando centenas de polícias de choque, armados de pistolas-metralhadoras, tomaram a Cidade Universitária. Tudo isto, para que lá se não realizassem os Colóquios e o jantar de confraternização do Dia do Estudante."


Assim começou o Dia do Estudante a 24 de Março.
Antes desta data, os Estudantes comemoravam o seu dia a 25 de Novembro, lembrando aqueles que em 1921 ocuparam, em Coimbra, o "Clube das Lentes" (A Bastilha, como era chamado) que eram as acomodações dos professores. Os estudantes lutavam, então, por melhores instalações.

Em 1961, a 25 de Novembro, em Coimbra, mais de 200 estudantes participaram num jantar para assinalar a data, onde a frase "Queremos Paz" foi a palavra de ordem que levou a um cortejo na cidade contra a guerra colonial.

A polícia reprimiu a manifestação, fazendo vários presos, o que suscitou a indignação em todo o País.

Em 1962 realizaram-se vários encontros de dirigentes associativos e foi formado um Secretariado Nacional de Estudantes Portugueses, tendo sido realizado, em Coimbra, o 1º Encontro Nacional de Estudantes. O Encontro tinha sido proibido.

Em consequência, aos membros da Direcção da Associação Académica foram instaurados processos disciplinares e a respectiva suspensão.

As Associações de Lisboa pretendiam fazer as comemorações do Dia o Estudante no final de Março. Iniciaram-se a 24 de Março com a respectiva proibição do Ministério da Educação.

O regime atacou os estudantes invadindo a cantina da Cidade Universitária, onde a polícia de choque espancou e prendeu estudantes. A reacção foi o luto académico e a greve às aulas.

Em 1987, a Assembleia da República decidiu que o dia 24 de Março fosse assinalado como o Dia do Estudante.


Sábado, dia 24, às 11.00 horas, terá lugar, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, uma sessão sobre os acontecimentos de 1962, os quais abalaram fortemente o regime de Salazar. Seguir-se-á um almoço de confraternização na Cantina Velha.

O Movimento Não Apaguem a Memória! associa-se a estas comemorações.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Dia Mundial da Poesia

CALABOUÇO
I
Aqui
onde nem um pide nos ouve
a gritar no dialecto nacional dos oprimidos
os mais fantásticos sonhos
construímos
com o invisível material da esperança
a realidade universal dentro
do povo lá fora!
II
Pátria:
Por causa de nos os dois
o único alguém a cheirar o cheiro
do seu próprio medo
é o carcereiro.
Pátria:
o nosso próprio receio
leva-nos ao cúmulo da fúria
mas ao carcereiro o próprio medo
fabrica para toda a polícia
o auge do desespero.

José Craveirinha (1966), publicado em Cela 1, Lisboa, Ed. 70, 1980.

terça-feira, 20 de março de 2007

A raia 1936-1952, repressão, resistência e memória

Como já noticiámos, a 2.ª parte do Congresso Internacional «A Raia 1936-1952, repressão, resistência e memória» irá realizar-se em Ourense, de 28 a 30 deste mês. Eis a altura ideal para deixar as últimas informações sobre o assunto, reproduzidas do Indymedia-Galiza:
"O congresso que leva por título «A Raia 1936- 1952, repressão, resistência e memória», é uma iniciativa no quadro do actual Ano da Memória, que procura recuperar a memória e a dignidade das pessoas reprimidas durante as ditaduras de Franco e Salazar estando aberta a todas aquelas pessoas e colectivos que assim o desejarem de ambos lados da Raia que separa galegos e portugueses. Quer servir como ferramenta académica e formativa para que o processo de recuperação da memória histórica continue e assente en metodologias e práticas cada vez mais eficientes, e ao mesmo tempo, de ponto de encontro de associações culturais e pessoas de ambos lados da fronteira galaico-portuguesa, com o fim de fortalecer os laços de união existentes".
A imagem com o programa do encontro é retirada daqui.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Morreu Lucie Aubrac, heroína da resistência francesa

Para o grande público português Lucie Aubrac é um nome desconhecido. Para os mais velhos, que guardam uma permanente recordação do que foi a Libertação de Paris e do papel que no combate ao nazi-fascismo tiveram os Franc-Tireurs Partisans (FTP), ela conserva-se como uma memória viva de coragem, abnegação e modéstia. Um exemplo cívico que aqui se recorda através de um excerto do Le Monde (16/3/07):
"Umas das últimas grandes figuras da Resistência, Lucie Aubrac, morreu quarta-feira, 14 de Março na região parisiense, com 94 anos. A sua vida, marcada por um compromisso de todos os dias, e mais exactamente durante os anos negros da Ocupação, fez dela, em definitivo, uma incarnação da coragem e da capacidade de revolta. A sua acção, em Lyon, em 1943, então capital da Resistência [à ocupação alemã], foi transposta para o cinema por Claude Berri, em 1997, num filme em que a sua figura foi interpretada por Carole Bouquet. Um filme que dá bem conta da detenção, em Caluire, dos dirigentes da Resistência – entre eles Jean Moulin e Raymond Aubrac [seu marido] – mas dá pouca informação sobre a biografia destra mulher determinada, nascida a 29 de Junho de 1912, numa família de vinhateiros modestos da região de Mâcon.
Lucie Bernard, nome de solteira, não precisou que chegassem as horas sombrias [da ocupação] para tomar consciência da ascensão dos fascismos na Europa. Aluna excelente, apaixonada pela história, tornou-se professora efectiva na década de 1930. Foi por esta altura que, espontaneamente, ela se tornou uma militante. Inscreveu-se nas Juventudes Comunistas e o seu empenho foi total.
Quando a guerra se declara, está colocada em Estrasburgo. Vive com um jovem engenheiro, proveniente da burguesia judia, Raymond (...) No momento da derrota, Junho de 1940, quando Raymond é preso pela primeira vez pelas pelas tropas alemãs, Lucie consegue fazê-lo sair da prisão de Sarrebourg (Moselle), em Agosto, tirando partido de uma confusão que então ali se gerou. Os dois partem em seguida para Lyon (...)
O regime de Vichy [colaboracionista com o III Reich] está instalado, a colaboração impõe a sua vontade e o primeiro estatuto jurídico contra os judeus é publicado. O casal dispõe de dois vistos de saída para os Estados Unidos [onde Raymond fizera parte dos seus estudos]. Seria a atitude mais avisada: os dois estão referenciados como comunistas e ele é judeu. Recusam esse conforto, não por desafio aventureirista, mas por patriotismo. Por espírito de resistência (...)".

sexta-feira, 16 de março de 2007

Entre as brumas da memória

O livro Entre as brumas da memória - os católicos portugueses e a ditadura, de Joana Lopes, será lançado na próxima 3.ª feira, às 18h30, na FNAC do Chiado. A apresentação cabe a Nuno Teotónio Pereira e a José Manuel Galvão Teles.
Respiga-se uma referência à obra, pela sua editora, a Âmbar:
"Um livro sobre a ditadura e o papel que as elites católicas tiveram na luta contra o regime fascista. A autora escreve sobre um tema que bem conhece, pois participou em iniciativas e organizações ligadas a um grupo que ficou conhecido como Católicos Progressistas. A História recente de Portugal tem vindo a suscitar grande interesse do público. De salientar o prefácio de Pedro Tamen, escritor de prestígio e figura destacada dos grupo de católicos progressistas."

quinta-feira, 15 de março de 2007

Blogues temáticos na Almedina

A formação de uma opinião pública em Portugl começou por fazer-se através dos jornais, na senda da revolução liberal de 1820. Agora o processo é mais complexo, existem os jornais, mas também existem as televisões e, a partir da última década, o ciberespaço, onde a blogosfera se afirma cada vez mais como um espaço de criação de públicos.
O nosso Movimento, com o site Mais Memória, o blog Não Apaguem a Memória! as redes tod@s e info é disso um exemplo. Sem esse meio que é a Internet seríamos menos coesos, menos homogéneos, em resumo, menos informados das iniciativas, tendências e projectos do Movimento. É certo que tudo se decide nos plenários, mas a formação da opinião para essas decisões processa-se em boa parte pelos meios virtuais das nossas redes.
Vem isto a propósito da sessão que hoje, dia 15, decorre na Livraria Almedina, Átrio Saldanha, em Lisboa, a partir das 19h, promovida por José Carlos Abrantes, especialista dos media e antigo provedor dos leitores no Diário de Notícias. O blog do Movimento vai ser apresentado por Daniel Melo, em paralelo com dois outros blogues: o dinamizado por Pedro Mexia, Estado Civil, e o de Leonel Vicente, Memória Virtual.
Vai ser, certamente, uma discussão rica de ensinamentos, mesmo se na sua vertente teórica. Por isso aqui fica a informação do evento, para todos os interessados.

Avançando com pistas para o debate, aqui se inserem excertos de D. Dayan e José Tengarrinha, sobre a noção de públicos e a formação da opinião pública.

Para esclarecer o conceito de público vale pena recorrer a Daniel Dayan:

“A palavra público pode apresentar-se como um substantivo ou como um adjectivo. O substantivo pressupõe que existam públicos. Reenvia idealmente a uma ‘substância’ pública, a identidades relativamente reconhecíveis, eventualmente efémeras, mas suficientemente estáveis para serem descritas. Reflictamos, agora, sobre a dimensão adjectiva da palavra público. Fala-se então de comportamentos ou de opiniões públicas em relação a outras que dele seriam privados (isto é, privados de publicidade). Parece-me essencial ter em conta esta dimensão adjectiva da palavra pública, em tudo o que nela liga a noção de público à noção de ‘esfera pública’. A noção de público é, de facto, uma noção reflexiva.
O público do século XVIII constitui-se, diz-nos John Peters, à força de ler e discutir jornais, onde o assunto é o público. A noção de público consiste não apenas em ver, mas em ser visto. Todo o público reenvia assim para um outro público que o observa. Existem ‘maneiras de estar em público’, como existem maneiras de estar à mesa. É de modo ostensivo que os públicos se constituem, diferenciando-se de outros públicos. Noutros termos, ser um público é entregar-se a uma performance. Esta performance pode ser consensual ou polémica, mas não pode ser invisível. Não são, pois, públicos que se materializem contra vontade, ao dispor de uma meia dúzia de especialistas. Os públicos não irrompem do reino das sombras, eles não precisam de pitonisas para se exprimir.
O adjectivo público introduz, assim, uma distinção essencial face à passividade do recenseamento. Marca a vontade de proceder a uma apresentação de si próprio. Noutros termos, um público assume sempre, seja de que modo for, a pose. Um público sabe-se, e quer-se, observado.
[Daniel Dayan, “Televisão: das Audiências aos Públicos”, Livros Horizonte, 2006]

Sobre a formação de uma opinião pública em Portugal cita-se José Tengarrinha

Saber, por exemplo, quando é que em Portugal se formou uma opinião pública abalizada? Que flutuações sofreu ela ao longo dos tempos? Houve opinião pública durante o Estado Novo? Pode haver uma opinião pública em regimes ditatoriais?
As respostas dá-as aqui Tengarrinha, assente numa argumentação sólida, onde as referências históricas balizam a interpretação sociológica.
É bom saber que formação de uma opinião pública pode fazer-se em regimes ditatoriais, de resto é até fundamental para um regime desse tipo induzir uma opinião que lhe seja fiel e serviçal, ou como definiu o Estado Novo, “a bem da Nação”. Foi o tempo das fórmulas de reverência, sem outra referência que não fosse a expressão do “respeitinho” por quem manda: “venerando e obrigado, de Vª Exª, atenciosamente…” assim se terminavam as exposições, requerimentos e demais papelada, elaborada por escrivães “a rogo” de quem era analfabeto.
O Estado Novo quis criar um “bloco autoritário” que lhe desse uma legitimidade pública, que a ausência de um grande partido de massas lhe negava, como era o caso na Itália fascista ou na Alemanha nazi. O controle dos grandes meios difusores, através de uma legislação que basicamente se manteve de 1936 até à sua queda, em 1974, controlada por um serviço de censura rígido, foi o instrumento criado por Salazar e de que Marcello Caetano tentou aproveitar-se, com menor êxito.
Mas a existência de uma outra opinião pública, à margem dos media institucionais, e até clandestina, condicionou as ambições deste regime autoritário, que nunca conseguiu impor uma opinião pública única, mesmo se em certos momentos históricos, por exemplo no início da guerra colonial, em 1961, andou por lá perto.
[José Tengarrinha, “Imprensa e Opinião Pública em Portugal”, Ed Minerva, 2006]

A OPOSIÇÃO POLITICO-MILITAR AO ESTADO NOVO NO INÍCIO DO 3ª QUARTEL DO SÉCULO XX

No âmbito do projecto "CONFERÊNCIAS DA COOPERATIVA MILITAR" vai realizar-se o COLÓQUIO DE HISTÓRIA VIVA :

A OPOSIÇÃO POLITICO-MILITAR AO ESTADO NOVO NO INÍCIO DO 3º QUARTEL DO SÉCULO XX, patrocinado e coordenado pela COMISSÃO PORTUGESA de HISTÓRIA MILITAR.

As sessões têm lugar nas instalações do IASFA (Antiga Cooperativa Militar) Rua de S.José nº 24, em Lisboa, nos dias 20, 22, 27 e 29 de Março, pelas 17h e 30.
A entrada é livre.

A sessão de abertura, no dia 20, dedicada ao denominado "GOLPE da SÉ", será presidida pelo Sr. General Alexandre Sousa Pinto, Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar, prevendo-se a apresentação de comunicações por parte dos seguintes participantes: Coronel Vicente da Silva, Comandante Belmarço da Costa Santos, Manuel Serra e Coronel Setas Domingues.

A segunda sessão, a realizar no dia 22, será presidida pelo Sr General Francisco Cabral Couto e abordará os acontecimentos denominados por "ABRILADA de1961".

A terceira sessão, a realizar no dia 27, será presidida pelo Sr General Gonçalves Ribeiro e terá como tema dominante o "ASSALTO AO QUARTEL DE BEJA" prevendo-se apresentação de comunicações dos participantes: Coronel João Varela Gomes, Manuel Serra e Edmundo Pedro.

A quarta sessão, no dia 29, consistirá na realização de um PAINEL, prevendo-se a participação dos seguintes elementos convidados: Prof. Luis Moita, Prof. António da Costa Pinto, Dr.António Louçã, Prof António Brotas, Prof António Reis.

Neste dia 29 de Março o debate procurará incentivar uma ampla intervenção dos especialistas conjuntamente com os participantes sobre os acontecimentos históricos em análise.

quarta-feira, 14 de março de 2007

A memória da II Guerra Mundial e do colonialismo no Japão actual

Tal como referimos em post anterior, o Le Monde Diplomatique inclui 2 textos sobre o Japão, onde se aborda a II Guerra Mundial e o papel da memória histórica: «O santuário Yasukuni ou a memória selectiva do Japão» (de Tetsuya Takahashi) e «Ambiguidades nipónicas, ambiguidades europeias» (de Émilie Guyonnet).
Neste último texto fala-se das ambiguidades nipónicas quanto ao papel do Japão durante aquele conflito bélico, as quais se espelham nas distintas orientações museológicas: por um lado, o Museu da Paz de Hiroxima e o Peace Osaka vão no sentido duma memória histórica exigente e crítica acerca do Japão dos anos 1930-40, preocupando-se com a contextualização nacional e internacional e dando espaço tanto às vítimas de guerra como à política belicista nipónica de então; por outro lado, museus como o Showakan apenas se detêm na reconstituição do difícil quotidiano dos japoneses durante a guerra e o pós-guerra, sem qualquer contextualização e apesar da mensagem pacifista, de «nunca mais». Émilie Guyonnet também aborda o lugar da história nos manuais escolares, a propósito da polémica internacional gerada pela tentativa dos nacionalistas nipónicos em retirar daqueles a visão crítica sobre o passado imperalista nipónico.
Em suma, a tendência geral é a duma "mensagem pacífica mais centrada nas vítimas da guerra do que nas suas causas", para o que contribuiu a perpectiva do Tribunal de Tóquio e dos Aliados, que atribuíram as responsabilidades pelo militarismo apenas a um "pequena clique de militares" usurpadores do poder, como nota a jornalista Guyonnet. Nesse sentido, apenas 0,29% da população foi afastada dos cargos públicos (contra 2,5% nas zonas ocupadas pelos EUA na Alemanha desnazificada) e vários dirigentes voltaram às altas chefias.
O texto do investigador Tetsuya Takahashi tem tons mais pessimistas, o que se deve ao tema: o aproveitamento político-ideológico do santuário Yasukuni e a amnésia selectiva. Este recinto xintoísta foi erigido em 1839 em honra dos militares japoneses do período Meiji. Ficou como um lugar de celebração do nacionalismo japonês. Após a II Guerra Mundial foi separado do Estado, mas recentemente os sectores nacionalistas nele homenagearam os 14 criminosos condenados à morte pelo Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente (mais conhecido como Tribunal de Tóquio), em 1948, e que aí estão sepultados. Tal deu origem a uma polémica diplomática internacional, tendo cessado as visitas oficiais.
Para este autor a questão é mais abrangente e complexa: o passado belicista e as agressões cometidas contra outros povos nesse contexto recuam ao séc. XIX e ao colonialismo nipónico, mas há uma tendência para a história oficial se centrar no crescimento e afirmação do Japão enquanto potência nacional. Por condenarem o imperialismo japonês e por acharem que o colonizado não tinha o mesmo estatuto de vítima do colono, descendentes de soldados taiwaneses e coreanos forçados a combater no exército colonial nipónico pediram que os seus antepassados fossem retirados da «celebração comum» feita no santuário. Tal foi-lhes recusado pelos responsáveis do santuário, sob a alegação de todos terem a nacionalidade japonesa. Outros casos ensombram este santuário: dos 2,4 milhões de mortos aí celebrados, 2 milhões devem-se à guerra do Pacífico, tendo a maioria morrido em massacres ou à fome. Agora, o actual governo quer nacionalizar o santuário para também aí poder homenagear os eventuais mortos do exército que o Japão voltou a formar, ao fim de 50 anos de desmilitarização.
Nb: imagens do Osaka Peace, ou Osaka Internacional Peace Center.

terça-feira, 13 de março de 2007

Blogues temáticos na Almedina

O Não Apaguem a Memória!, blog do Movimento vai estar em evidência no debate da próxima quinta-feira, dia 15, promovido por José Carlos Abrantes, docente universitário, especialista dos media e antigo provedor dos leitores no Diário de Notícias. Vamos estar representados por Daniel Melo, e em paralelo com dois outros blogues: o dinamizado por Pedro Mexia, Estado Civil, e o de Leonel Vicente, Memória Virtual. O colóquio decorre na Livraria Almedina, a partir das 19h, e insere-se num ciclo que vai na sua segunda edição, com assinalável êxito junto do (já) público da blogosfera, que se propõe à sociedade como espaço de intervenção e de alternativa aos media tradicionais.

segunda-feira, 12 de março de 2007

Crónica da romagem a Coruche e ao Couço

Albertina Diogo e Maria Madalena, duas resistentes antifascistas, que se conheceram em 1961 na prisão de Caxias e passados 40 anos voltaram a abraçar-se no Couço [foto de Artur Pinto]
Os 40 participantes na romagem do passado sábado, dia 10, a Coruche e ao Couço deixaram um voto: a experiência é para repetir. Por isso, citando Zeca Afonso, que acabou por ser, também ele, um dos homenageados desta iniciativa, para a próxima venham mais cinco.
A romagem prolongou o colóquio de 8 de Março, que decorreu na Biblioteca-Museu da República e Resistência, em Lisboa, dedicado ao tema “a Mulher na Resistência”. A excursão tinha por finalidade manifestar a solidariedade dos participantes às mulheres do Couço, símbolo da resistência rural ao fascismo do Estado Novo.
O autocarro arrancou de Lisboa quase dentro do horário previsto e cumpriu a hora de chegada. Às 10h estavam todos no Museu Municipal de Coruche, onde uma amável guia, Eugénia, organizou três grupos para proceder a visitas guiadas à exposição permanente, que retrata a realidade histórica e etnográfica de Coruche, desde os tempos remotos do paleolítico. A mão e o que ela fabrica é o fio condutor desta exposição, que tem um prefácio e um posfácio de pendor didáctico. Na entrada recorda-se a origem do homem na Terra e, no final, fica a mensagem que esta criatura, saída deste ventre, deve cuidar da natureza, que também é sua.
A sessão de boas-vindas, que se seguiu, decorreu no auditório José Labaredas, e foi presidida pelo nosso anfitrião, Dionísio Mendes, presidente do município ribatejano. Na mesa, a seu convite, tomaram lugar Maria Barroso, que se associou à iniciativa do Movimento e, pelo Movimento, Paula Godinho e Ana Gaspar.
Maria Barroso falou desse tempo de resistência, a partir de exemplos pessoais vividos no distrito escalabitano. Recordou como na década de 1950, num sarau cultural em que interveio para recitar poesia, foi o próprio governador-civil, que presidia quem a veio a denunciar à PIDE, considerando que os poetas escolhidos, José Gomes Ferreira, Rui Namorado, Armindo Rodrigues e Sidónio Muralha, pertenciam às fileiras da oposição democrática, sendo o sarau um estratagema para realizar uma sessão política contra o Estado Novo. Daí resultou um processo que pesou na sua expulsão do Teatro Nacional D. Maria II, onde fazia parte da companhia de Amélia Rey Colaço. Falou, igualmente, das pessoas boas que souberam resistir com coragem e abnegação à abjecção da delação e da submissão. Realçou uma mulher do Couço, Maria Rosa Viseu (?), que em 1969, no curto mês em que se permitia fazer a campanha eleitoral, se dirigiu de braços abertos a Maria Barroso, que integrava a lista da oposição democrática, para nesse abraço testemunhar a solidariedade e o apoio de quem fora torturada e humilhada pela PIDE, no seguimento da campanha presidencial de 1958.
O presidente da Câmara aproveitou o local onde nos acolheu – auditório José Labaredas – para recordar o resistente das lutas do Couço que lhe deu o nome. Para nos apresentar o concelho, fez seu um texto dele: “Sopa Rica de Município à Vale do Sorraia” (Ed. Assírio e Alvim):
“Tome-se um concelho de bom tamanho, com dimensão nunca inferior a mil e cem quilómetros quadrados de superfície (...) Povoe-se de gente lhana e louçã, com o quantum satis do que é normalmente a condição do espírito humano: dignidade e orgulho (mas que este não sobrepuje os limites que devem ter todas as coisas boas, simples e gratuitas). Juntem-se-lhe, em proporções exactas os seguintes ingredientes: De firmeza, quatro arráteis, um alqueire de verticalidade, um bom punhado de generosidade em grão, de amor pela labuta duas mãos cheias e espírito solidário à vontade (...) Enquanto o preparado repousa, saia-se, campos fora, por uma manhã de Abril, leda e soalheira e colham-se das papoilas mais rubras um ramalhete viçoso; quando se chegue a um velho sobreiral, procure-se a clareira mais chã e solar e nela se colham doze pés de rosmaninho (...)” (p. 201).
Convém dizer que à entrada do auditório o presidente do município presenteou cada um dos participantes da romagem com duas obras de antologia etnográfica: o citado livro de José Labaredas, “Coruche à Mesa”, e a tese de doutoramento de Paula Godinho, “Memórias da Resistência Rural no Sul” (Ed. Celta).
Foi Paula Godinho quem recordou que o sindicalismo rural português do final do século XIX e período republicano nasceu naquelas lezírias entre Alentejo e Ribatejo. Depois, com o esmagamento das liberdades cívicas pelo Estado Novo, na década de 1930, foi-se esbatendo, para voltar em meados da década seguinte, com as marchas da fome, a cobrir o concelho e a expressar o seu protesto junto à Câmara. Do Couço, 30 km a pé, por campos e estrada, vieram as mulheres, numa das primeiras manifestações em que participaram, vestidas de negro e já possuidoras daquela determinação que não mais as abandonaria até à liberdade de Abril de 1974.
Recordou o episódio de 6 de Junho de 1958, quando o Couço foi palco de um comício de apoio à candidatura de Humberto Delgado. Realçou as dificuldades inúmeras que foi preciso vencer para obter em Santarém, no Governo-Civil, a autorização para o realizar. Destacou a atitude da população que, em peso, foi até à garagem dos Olímpios, com capacidade para não mais de 200 pessoas, e, por isso, ficou apinhada. Deu conta do relatório dos agentes da PIDE, que ficaram impressionados com a manifestação de acolhimento aos oradores do comício, que encheu de povo a Rua do Comércio (ou da jorna) e anotaram a presença de “umas duas a três mil pessoas” na garagem. Exagero, como se constata do relato de uma das participantes desse comício histórico, Maria Custódia Chibante, que calculou em não mais de 200 pessoas as que estiveram nessa noite na garagem dos Olímpios (entretanto demolida). “A verdade basta”, foi a sua expressão. Não que não houvesse gente cá fora, até para dar conta das manobras da GNR, que tinha deslocado uma força para o Couço. Temia-se uma carga policial à saída e, num acto de auto-defesa, cada um levou no bolso uma pedra.
O receio pelas consequências de uma tal atitude repressiva, aguçou o bom senso do comandante da força da GNR e impediu esse confronto. À saída, os participantes no comício, vendo que o ambiente estava sossegado, foram tirando do bolso as pedras e deixaram-nas à esquina da rua.
No dia seguinte fizeram uma estranha peregrinação em direcção a um monte de pedras, cujo significado passou de todo despercebido aos agentes da polícia política que vigiavam a localidade.
A repressão veio depois das eleições, onde a lista de Humberto Delgado recolheu 76% dos votos. Em finais de Junho, no pino sazonal dos trabalhos de campo, os agrários deram ordem aos capatazes para baixar o preço da jorna. Foi o desencadear de uma greve que juntou os que tinham participado no comício, com os poucos que se tinham alheado daquela manifestação. Houve prisões e repressão. O nome de João Camilo, personagem ímpar na então aldeia do Couço, foi por diversas vezes citado. Sempre que alguma agitação social percorria o concelho era certo a PIDE prendê-lo e levá-lo para interrogatórios na “António Maria Cardoso”.
João Camilo foi preso, com mais três companheiros, no dia 23 de Junho de 1958 e encarcerado no posto da GNR (que entretanto deu lugar a uma residência), à espera que de Lisboa chegasse a brigada da PIDE. Levantou-se o povo em revolta, cercou o posto e clamou a sua indignação. Exigiu, e obteve, a libertação dos seus concidadãos.
Nestas lutas as mulheres estiveram sempre na primeira linha e quando em 1961/62 se levantou a luta pelas oito horas de trabalho, foram elas, em muitos locais, quem deu o sinal para a greve de zelo.
Face à oposição dos agrários em respeitar as oito horas de trabalho, mantendo que o dia era de sol a sol, o pessoal decidiu, por ele próprio, fazer cumprir o horário. Pegavam às 7h, pois bem largavam à 15h. Foram as mulheres que trabalhavam no regadio do canal do Sorraia quem impôs esta forma de luta, que acabou por se alargar a toda a freguesia e, depois, ao concelho de Coruche e ao resto do Alentejo.
Destas lutas e do seu significado pela liberdade e um trabalho digno, falou Paula Godinho, a guia da excursão na visita ao Couço.
Ana Gaspar, em nome do Movimento, fechou a sessão no auditório José Labaredas, dando conta aos participantes e ao nosso anfitrião dos justos agradecimentos que merecia, pela disponibilidade que revelara no acolhimento que nos dava. Dionísio Mendes agradeceu, dizendo que esperava que o Movimento retribuísse participando na sessão comemorativa dos 33 anos do 25 de Abril, o que foi aprovado com uma salva de palmas.
Depois de uma visita à magnífica exposição de evocação do José Afonso, patente no antigo edifício dos CTT, presentemente integrado no Museu Municipal, fez-se um passeio até a um ex-libris da gastronomia local, “O Farnel”, para aí provar um dos pratos que merece distinção no livro de José Labaredas: “o bacalhau à Farnel”.
Foi uma longa pausa de quase duas horas, regada por um macio vinho e com muita conversa dispersa e bem disposta.

Às 15h30 fez-se a segunda paragem diante da igreja da Azervadinha, onde Nuno Teotónio Pereira e Dionísio Mendes fizeram a história daquele templo que, diz a placa no cimo da porta de entrada, foi aberto ao culto com “a assistência do PR Américo Tomaz”, em meados da década de 1960. Esta “assistência” testemunha uma perturbação do regime ditatorial, que desfez a comunidade eclesiástica, dirigida por dois padres holandeses, por ela seguir demasiado perto o Evangelho cristão e frequentar pouco as casas dos agrários. Os padres holandeses foram expulsos do país, o templo comunitário reestruturado arquitectonicamente, de modo a retomar a traça tradicional das igrejinhas de aldeia que o Estado Novo propagandeava.
Teotónio Pereira, primeiro proponente desta romagem, sublinhou ainda o seu significado, pondo em evidência o papel que as mulheres desempenharam na resistência à ditadura e a necessidade de o tornar historicamente mais visível.


A visita ao Couço principiou na Cooperativa “Conquista do Povo”, onde Joaquim Canejo, figura áurea do período da reforma agrária, nos deu as boas-tardes, dessedentando-nos e desejando-nos uma boa visita.
No logradouro arrelvado que lhe fica em frente, Paula Godinho fez as últimas observações sobre o contexto antropológico do Couço e falou das vivências das suas mulheres, após o que partimos para a actual Rua do Comércio. É a antiga praça da jorna, onde ainda perduram, nas quatro esquinas, quatro restaurantes, marcas de antigas tabernas, onde se fazia a “molhadura”, ou seja, o assentamento do contrato selava-se com um copo de vinho.
O passeio durou uma boa meia-légua – para alguns pés mais doridos foi mesmo uma légua bem medida – e deu para cumprimentar a D. Maria Madalena, viúva de Joaquim Castanhas, pesados 83 anos de vida de provações e de luta permanente por conservar a dignidade dos resistentes de sempre.
A merenda, para aqueles a quem o passeio despertou o apetite, fez-se numa mesa da Cooperativa, com chouriço, pão e queijo, comprados na mercearia, e vinho servido pelo sempre irónico e bem disposto Joaquim Canejo.
O regresso para Lisboa fez-se às 18h15, como previsto, infelizmente sem que nos tivesse sido possível avistar-nos com o presidente da Junta de Freguesia, Luís Alberto Ferreira. Não teve qualquer disponibilidade para o fazer, já o dissera à delegação do Movimento que no passado 27 de Fevereiro se deslocou ao Couço, para lhe dar conta da nossa romagem.

domingo, 11 de março de 2007

Memórias do antifascismo ibérico

O Le Monde Diplomatique de Março tem ainda 2 textos sobre a memória antiditatorial, um dedicado parcialmente à Lei da Memória Histórica espanhola («A Espanha atormentada pelo seu passado», de José Manuel Fajardo) e uma recensão ao livro sobre Flausino Torres (do neto Paulo Torres Bento), do qual demos informação em post específico aquando do seu lançamento. A obra chama-se Flausino Torres (1906-1974) - Documentos e fragmentos biográficos de um intelectual antifascista e a recensão é assinada por José Neves, membro do movimento Não apaguem a Memória!.
No jornal vêm também 2 textos sobre o Japão, de que se dará conta em post futuro.
PS: o livro sobre Flausino Torres foi também recenseado por Filomena Cabral, cujo texto pode ler-se aqui.

sábado, 10 de março de 2007

Rompendo grilhetas com o legado colonial

O n.º de Março do Le Monde Diplomatique (edição portuguesa) dedica uma parte do seu dossier ao colonialismo português. O dossier intitula-se «Do indígena ao imigrante» e pretende contribuir para um exame crítico do legado colonial e do modo como este é pensado na contemporaneidade.
Os textos do dossier que tratam esta temática são os de Miguel Bandeira Jerónimo e Nuno Domingos («"O grémio da civilização": do indígena ao imigrante»), de Cláudia Castelo («O luso-tropicalismo: um mito persistente») e de Alfredo Margarido («A lusofonia, outra forma de colonialismo»).
O jornal integra ainda 3 recensões a livros sobre esta temática: Portugal não é um país pequeno (org. de Manuela Ribeiro Sanches), Revoltas escravas (de João Pedro Marques) e As côres do Império (de Patrícia Ferraz de Matos). Os recenseadores são, respectivamente, José Mapril, Carlos Silva e Nuno Dias.

sexta-feira, 9 de março de 2007

“A Mulher e a Resistência” – exemplos para não esquecer

[Foto de operárias de Almada na década de 1960]

O Movimento Não Apaguem a Memória! promoveu ontem, 8 de Março, na Biblioteca-Museu República Resistência, e da em Lisboa, uma homenagem às mulheres portuguesas que lutaram contra o Estado Novo. Através de dois painéis distintos – um que reunia investigadoras com pesquisas centradas na ditadura e no papel das mulheres no seu combate, outro que trouxe a voz das protagonistas dessa luta, complementado com um filme de Susana Sousa Dias – a resistência feminina emergiu nas suas várias cambiantes.
No painel da manhã, depois da apresentação das razões do colóquio, a cargo de Nuno Teotónio Pereira, seu proponente, três investigadoras sociais apresentaram comunicações que permitiram contextualizar o que foi o papel da mulher na resistência antifascista ao Estado Novo.
Irene Pimentel, investigadora com vasta bibliografia publicada sobre a repressão salazarista e marcelista, reflectiu sobre as características da resistência feminina à ditadura, centrando-se sobre a situação prisional das mulheres, que foram “mulheres rebeldes” e não apenas “mulheres de rebeldes”, na especificação do Código Penal de 1867, em vigor até 1967.
Vanessa Almeida, com uma tese em curso sobre as mulheres das casas clandestinas do Partido Comunista Português, traçou o que era a vida das mulheres que as mantinham, do modo como se foram afirmando dentro da organização do PCP, criando meios de comunicação próprios, como foi o caso do jornal “A Voz das Companheiras”. Aludiu à repressão crescente, que a partir da década de 1960 as colocou, nos interrogatórios feitos pela PIDE/DGS, em situação de tortura do sono, de estátua, violência física, num processo homólogo ao tratamento que era dado aos “clandestinos”.
Sónia Ferreira, antropóloga, autora de “Mulheres de Desaparecidos do Chile”, mostrou como se desenvolveu, na conjuntura dos anos ’40, a resistência das mulheres operárias em Almada e a sua inserção no movimento grevista de luta, dando realce ao quotidiano dessas lutas inseridas no trabalho nas fábricas conserveiras e corticeiras .
A encerrar o painel da manhã e antes do debate, falou Manuela Tavares, da UMAR, que trouxe à colação o papel da censura no Estado Novo. Ilustrou a sua dissertação com o livro “As Novas Cartas Portuguesas”, de Maria Teresa Horta, Maria Barreno e Maria Velho da Costa. Enquanto o processo que lhes foi instruído em Portugal foi totalmente censurado em toda a comunicação social, um extraordinário movimento de solidariedade internacional, que passou pelo francês “Le Monde” e pela revista norte-americana “Time”.
De tarde, após a projecção do filme de Susana Sousa Dias, sobre o estatuto das enfermeiras no Estado Novo (2000), obrigado ao celibato, por imposição legal, apresentado pela realizadora, seguiu-se um debate.
As duas protagonistas do documentário, Isaura Borges Coelho e Hortênsia Campos Lima, foram as duas irmãs que no início da década de 1960 puseram a circular um abaixo-assinado solicitando a Salazar o fim do que era considerado uma violência legal pela quase totalidade das enfermeiras: a obrigação do celibato. Para elas era uma atitude espontânea e de revolta legítima. Foram presas. Recordaram que a PIDE as considerou perigosas subversivas, ligadas PCP. Foram submetidas a pesados interrogatórios, com situações absurdas, como a que ocorreu com a jovem Hortênsia, então com 20 anos, que na sua agenda tinha anotado “Aniversário do meu P[rimeiro] B[eijo]”, que foi entendido como “Aniversário do meu P[artido] B[olchevique]” e, a partir daí, interrogada sobre que iniciativas estavam previstas para assinalar tal evento.
O testemunho destas resistentes em legalidade foi complementado por outros, como da Maria de Jesus Barroso, que recordou o papel de Isabel Aboim Inglez, madrinha da sua filha, e de quem recordou um conselho muito seguido pelas oposicionistas do regime autoritário: “Na PIDE sorri-se muito, fala-se pouco e mente-se sempre”. Também, Estela Piteira Santos deu testemunho do que foram esses tempos em que a polícia política irrompia alta madrugada pelas casas dentro, para prender, bater e ameaçar.
A vida das clandestinas foi recordada por Albertina Diogo, presa em Novembro de 1960 e que foi condenada a seis anos de prisão, acusada de ser funcionária do PCP e de no seu apartamento de Benfica, em Lisboa, acolher as reuniões da comissão política do partido ilegalizado.
Domicilia Coreia da Costa recordou a sua vida na clandestinidade, dos sete aos 21 anos, e acentuou que como ela muitas outras jovens tiveram que passar por esse modo de vida dissimulado em mil um disfarces.
Nas casas clandestinas, as mulheres asseguraram um trabalho de sombra que manteve viva a resistência, escrevendo e protegendo essas instalações, aí vendo dolorosamente crescer os filhos, de que geralmente eram precocemente separadas, fosse para que pudessem estudar, fosse porque a prisão as atingia. Envolvidas em tarefas políticas de risco eminente, nas condições da ditadura salazarista-marcelista, a prisão tornou-se-lhes familiar. Sob duras condições de tortura, foram espancadas, sofreram a estátua, aviltaram-nas na sua feminilidade. Quando os companheiros eram presos ou quando só eles “mergulhavam” (passavam à clandestinidade), cabia-lhes assegurar sós a vida familiar e dar o suporte material e emocional de que necessitavam de forma acrescida.
Pelo movimento estudantil, que a partir da crise de 1961/62 desempenhou um papel importante no trabalho de oposição legal à ditadura, falou Sara Amâncio, que, em remate, deixou uma proposta: Não se recriminem os jovens por eles se mostrarem alheados desta realidade que fez o quotidiano dos portugueses durante 48 anos e que hoje lhes parece uma história medieval. Recrimine-se quem tenta apagar da memória actual esse tempo ainda tão próximo.
Sobre a resistência em meio rural discorreu a antropóloga Paula Godinho, tomando por referência o caso das mulheres do Couço, que nas décadas de 1950 e 60 foram submetidas a vagas de prisões sucessivas. Precisamente para testemunhar esse papel de heroicidade e resistência, o colóquio prolonga-se amanhã, sábado, numa romagem a Coruche e ao Couço, para testemunhar a solidariedade com essas mulheres e, de um modo mais geral, com todos e todas as que, em condições de sobrevivência mínima, souberam resistir com grande dignidade e total abnegação ao terror da polícia política do Estado Novo.
Através das mulheres presentes, do seu exemplo de dedicação à luta por uma sociedade justa e livre da opressão, fazendo face aos constrangimentos do seu género, que as subalternizavam, nas duras condições da ditadura, as comunicações e depoimentos feitos no colóquio, permitiu lembrar a gesta de todas as que sofreram e não vergaram, pagando até com a vida a sua atitude.
A jornada do 8 de Março terminou com um convívio na Associação 25 de Abril, onde amavelmente a Ler Devagar instalou uma banca de livros, alusivos ao tema da mulher na resistência, em que Vítor Sarmento e Jorge Jourdan, membros do grupo Erva de Cheiro, fizeram a festa, com um canto livre, que despertou a vontade e a vocação de cantar em várias das pessoas presentes.

terça-feira, 6 de março de 2007

Foi você que pediu um museu Salazar?

Um contributo extremamente lúcido e pertinente para reflexão sobre o projectado museu Salazar na terra natal do ditador foi publicado no Público de hoje. Trata-se do editorial assinado por Amílcar Correia, do qual reproduzimos aqui um excerto:
"Ser favorável à criação de um museu em Santa Comba Dão não significa que se seja igualmente favorável ao ideário do Estado Novo, como parece, por vezes, transparecer dos argumentos da União dos Resistentes Antifascistas Portugueses. O que deve ser exigido à Câmara Municipal de Santa Comba Dão é que a utilização de dinheiros públicos não se confunda com a transformação do local num santuário para fanáticos skinheads e nostálgicos do salazarismo, onde o regime seja abordado de forma acrítica ou panegírica e sem o respectivo contraponto político e histórico. [...] Mas este museu jamais terá a credebilidade necessária, caso não se associe a um centro de investigação sobre a temática, capaz de integrar o personagem e o seu hediondo e mesquinho regime no devido contexto histórico, para que a História também aqui não se apague. Sem caução científica não teremos um museu, mas sim o santuário de que falam os opositores à sua instalação. A função cívica de um museu com estes contornos não pode ser hipotecada em qualquer caso."
Nada parece indicar que as condições de rigor científico prescritas por Amílcar Correia venham a estar reunidas pela Autarquia de Santa Comba Dão. É isso que nos preocupa e reclama a nossa vigilância.
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Imagem: Paula Rego, "Salazar a vomitar a Pátria", 1960, óleo, FCG.

segunda-feira, 5 de março de 2007

8 de Março – A Mulher e a Resistência

Programa
O Movimento vai promover no dia 8 de Março um colóquio subordinado ao tema “A Mulher e a Resistência”. Vai decorrer na Biblioteca-Museu República e Resistência e desenvolver-se-á em duas partes, reservando para a noite uma sessão de convívio, a decorrer na Associação 25 de Abril:

Manhã – 10h:
Abertura por Nuno Teotónio Pereira, em representação do Movimento.
Contextualização histórica do período ditatorial do Estado Novo, por Irene Pimentel.
Comunicações de Vanessa Almeida sobre “As mulheres das casas clandestinas”;
e de Sónia Ferreira, sobre “Resistência feminina em Almada”
Apresentação das outras instituições promotoras do colóquio:
Sindicato dos Professores da Grande Lisboa
Associação 25 de Abril
UMAR – Manuela Tavares

Tarde – 14h30:
Projecção de um documentário sobre o papel das mulheres na resistência, no caso o estatuto das enfermeiras, centrado na figura da Isaura Borges Coelho, da autoria de Susana Sousa Dias.
Seguem-se depoimentos, em breves intervenções de 5 minutos, a partir do próprio auditório, com testemunhos do cárcere e da vida de resistência, das mulheres presas pela PIDE/DGS no período ditatorial do Estado Novo.
Para uma melhor articulação da sessão e evitar quebras de ritmo, ordenam-se os testemunhos em quatro grupos:
Clandestinas: Albertina Diogo; Domicília Correia da Costa; Ivone Dias Lourenço; Georgete Ferreira; Sofia Ferreira; Teresa Dias Coelho.
Resistência legal: Isaura Borges Coelho; Hortênsia Campos Lima; Isabel do Carmo; Helena Pato; Luísa Irene Dias Amado; Maria Eugénia Varela Gomes; Maria Purificação Araújo; Maria Jesus Barroso; Estela Piteira Santos.
Movimento estudantil: Gina Azevedo; Maria Emília Neves; Maria João Gerardo; Sara Amâncio.
Mulheres do Couço: Maria Custódia Chibante.

Encerramento das actividades do colóquio na Biblioteca-museu República e Resistência às 17h30

Reabertura das actividades às 19h, na Associação 25Abril

Inauguração da banca de livros alusiva ao tema, com apoio da Ler Devagar, e preparação da sala da A25A para o convívio da noite.

Noite:
Convívio com poesia, música e canções, no átrio da Associação 25 de Abril, com o Vítor Sarmento e companheiros do Erva de Cheiro, um jogo de jograis, a cargo da Maria Emília Neves.