Cela da Prisão de Caxias
Ainda a indignação. Não apaguem a Memória!
Este texto de Regina Guimarães a propósito do Concurso da RTP "O maior português de sempre", foi por ela escrito "de rajada", como diz, no momento em que soube que Salazar tinha ganho o referido concurso.
Porque reflecte o pensamento e a indignação de muitos portugueses, entendemos transcrevê-lo:
"Salazar foi eleito, via tv-telemóvel, o «melhor português de sempre». Democraticamente, facto que ele não teria, tanto quando se sabe, apreciado.
Aqueles que defendem a utilidade pública do instrumento televisivo talvez (ou talvez não) encontrem aqui matéria de reflexão.
Certo é que, facto inédito desde 25 de Abril de 1974, o nosso ditador (e, atrás dele, os seus semi-ocultos acólitos) beneficiou de um longo «tempo de antena», sendo que as consequências dessa legitimação já se fazem sentir em contextos tão diferentes quanto a pintura de um mural na Faculdade de Letras de Lisboa (e destruição sistemática de todo o material impresso de protesto antifascista afixado nessa instituição) ou o eufórico apadrinhamento de um museu dedicado ao avô cavernoso em Santa Comba Dão. A aura de self-made man – vindo do nada e, a pulso, chegado a um top lugar de chefia – tem porventura algum peso na «adesão» que a sinistra figura suscita entre os jovens (aqueles que não levaram com meio século de obscurantismo e infâmia), num quadro socio-político em que a precarização generalizada ameaça tornar ainda mais eficazes os mecanismos de selecção social (através da escola, por exemplo).
É pena que no Portugal profundo e profundamente sinistrado (do qual a Beira e Santa Comba Dão fazem parte) não se elevem vozes esclarecidas e capazes de explicar o processo de desertificação do interior do país (decorrente de obtusas políticas agrícolas do Sr. Esteves, como dantes lhe chamavam), o êxodo rural e a emigração em massa (potenciados pela guerra colonial e pela porca miséria ali então reinante).
É pena que nunca se tenha preenchido com discussão pública esse enorme hiato histórico que resultou do derrame migratório (para Áfricas, Américas, Araganças, Franças, Germânias, etc.) – como, de resto, também não se julgou indispensável, em terra de brandos costumes, tornar do conhecimento geral as actividades dos repressores profissionais da PIDE/DGS, secundados por uma horda de amadores, ditos «bufos», para quem a vida do próximo e do vizinho não valia um caracol – com a bênção, ora pois, da Santa Madre Igreja. (Já agora, para quando a definitiva separação Igreja/Estado, a começar pela extinção das aulas de Religião e Moral - com este ou outro nome - nos estabelecimentos de ensino público, causa tida como «menor» tal como menores foram sendo tidas as mais nobres causas políticas, por parte de largas camadas da intelectualidade e da burguesia instruída - em quê? - portuguesa?).
Este silêncio de macacos bem comportados há-de custar-nos couro, cabelo e massa encefálica. A menos que achemos pitoresca a perspectiva de voltar a viver no país do medo, da tristeza e da saudade difusa, num país em que «o negro é cor» – assim era Portugal apresentado à estranja, por um célebre slogan turístico do tempo da «outra senhora». A menos que se nos afigure pacífico oferecer lugares ao sol aos que, na sombra, reedificam ideais autoritários e práticas repressoras, reclamando a liberdade de acabar com a liberdade.
A menos que ansiemos pelo «come e cala» neste nosso reino à beira-mar estrumado e chamuscado.
A menos que, ciosos da nossa identidade pseudo-lusa, incolor e inodora, prefiramos, ao caos e ao conflito (que são a própria matéria da vida real e sonhada) um rosário de praças do «lá vem um», onde urgirá dispersar ajuntamentos de três pessoas, multiplicar analfabetos e purgar os que também pensam com as vísceras.
Para que serve uma Escola dirigida por gente que, insanamente divorciada do estudo das violências que dilaceram o tecido social, da necessidade de teorização crítica sobre as muitas formas de mutismo e afasia que afectam os novos danados da terra, se furta ao primeiro dever do trabalhador intelectual: transformar o pensamento em acção?
É neste modelo de Escola que um reitor se escusa a tomar medidas contra a escalada da extrema-direita no seio do seu estabelecimento, argumentando confiança no «bom senso» dos estudantes... É neste modelo de Escola que impera, portanto, o tique e o vício de raciocínio que milénios de esforço pensante e muitas gerações de apaixonados pelo conhecimento denunciaram e tentaram (em vão?) combater."
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2 comentários:
Chego à conclusão que Portugal continua a ser um país de ignorantes e bufos.Enquanto esta mentalidade que elegeu este canalha Salazar ao maior português de todos os tempos não mudar seremos sempre uns pobres diabos sem Rei nem Roque.
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