quinta-feira, 31 de maio de 2007

Lágrimas fascistas: construindo a vitimização na Espanha franquista

O historiador espanhol Antonio Cazorla-Sanchez (Trent University, Ontário, Canadá) profere esta 6.ª feira uma conferência sobre a construção da vitimização dos vencedores sob o franquismo, no âmbito do Seminário de Investigação CEHCP/ICS.
Intitulada «Fascist tears: constructing victimhood in Franco's Spain», a palestra decorrerá às 13h30, na sala de aulas 2 do ICS-UL (Av. Prof. Aníbal de Bettencourt, 9; estação de metro Entrecampos). A organização cabe a António Costa Pinto (ICS-UL) e Luís Nuno Rodrigues (CEHCP-ISCTE).
Pode-se ter uma ideia do fio condutor da comunicação pela leitura de 2 textos saídos no El País: «Qué hacer con nuestra guerra» (4/IV/2005) e «El secuestro del dolor» (27/XI/2005).
Cazorla-Sanchez é autor, entre outros livros, de Las políticas de la victoria: la consolidación del nuevo estado franquista (1938-1953), Madrid, Marcial Pons, 2000.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Comunismo e Guerra Civil de Espanha

O Centro de Estudos de História Contemporânea do ISCTE, por iniciativa de João Arsénio Nunes e do companheiro do NAM José Neves, realiza esta 5.ª feira uma conferência alusiva à Guerra Civil de Espanha e ao papel dos comunistas numa das maiores tragédias do século XX, da qual emergeria a ditadura franquista. Aproveita-se para respigar o texto relativo à palestra do historiador Daniel Kowalsky:
"No âmbito do seminário permanente que tem vindo a decorrer desde o mês passado dedicado ao tema Comunismos: História, Poética, Política e Teoria, tem lugar na próxima quinta-feira, no auditório B203 do ISCTE (edifício novo), às 17,30h., a sessão dedicada ao tema «Comunismo na guerra civil de Espanha».
O conferencista é desta vez DANIEL KOWALSKY, Professor da Queen’s University de Belfast e actualmente um dos mais reputados especialistas mundiais sobre este tema. A sua tese de doutoramento realizada na Universidade de Wisconsin, Stalin and the Spanish Civil War, mereceu o American Historical Association's Gutenberg-e Prize em 2001. Actualmente desenvolve também pesquisa sobre cinema espanhol na época da transição para a democracia e é ainda o editor da série respeitante à União Soviética da publicação oficial dos Documentos Britânicos de Política Externa. Tem orientado seminários de investigação na Sorbonne e na London School of Economics, bem como em Espanha e nos EUA.
Em conclusão da sua tese, defende que «em todas as facetas do envolvimento soviético nas questões espanholas durante a guerra civil, a posição de Estaline nunca foi de força, mas antes de fraqueza». A iniciativa conta com o apoio do British Council e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia."
Nb: imagem retirada daqui.

Golpe de Estado - 28 de Maio de 1926 - Arranque para uma ditadura



O movimento do 28 de Maio

O golpe de estado de 28 de Maio de 1926 iniciou-se como mais um levantamento, dos muitos que já tinham surgido no seio da Primeira República Portuguesa, coincidindo com um momento crítico para o governo presidido por António Maria da Silva. Embaraçado pela crónica má gestão do monopólio dos tabacos, um problema que já afligia os governos portugueses desde a fase final da monarquia constitucional, o governo decidira a 25 de Maio deixar de representar-se na Câmara dos Deputados, cortando os últimos laços com a legitimidade parlamentar. Como afirma um observador da política da época: o governo, inegavelmente, saía mal ferido da contenda, porque diminuído no seu prestígio. Mas o parlamento dir-se-ia quisera suicidar-se.
No ambiente de frenética intriga política que se vivia, os boatos de golpe desde há muito que corriam, sendo seguro que existiam múltiplos convites ao general Gomes da Costa para este dirigir um golpe, como sempre regenerador, que salvasse a Pátria.
Como entretanto em Braga se preparava para o dia 28 de Maio um Congresso Mariano, que congregaria naquela cidade as principais figuras do conservadorismo católico, entre as quais Cunha Leal, quando se soube que Gomes da Costa tinha para ali partido, ficou claro que o golpe estava eminente e que o seu epicentro seria naquela cidade.
Preparando o terreno, Cunha Leal logo no dia 27 organiza em Braga um almoço com apoiantes e discursa no Bom Jesus, criticando severamente o Partido Democrático que acusa de outrora ser obediente à ameaça do chicote de nove rabos do Dr. Afonso Costa, mas que então já nem sequer tinha um chefe e é um instituto tresmalhado. Quanto ao que restava do campo nacionalista, afirma que nem toda a mole ambição do sr. Ginestal Machado, nem todas as intrigas do sr. Pedro Pita, nem todo o maquiavelismo do sr. Tamagnini Barbosa são susceptíveis de inspirar confiança à nação, sendo um mero organismo parasitário. É neste dia, depois deste discursos inflamado, que chega à cidade, pelas 22:00 horas, o general Gomes da Costa, vindo expressamente para assumir o comando do golpe.
Conforme havia sido acordado, logo no dia imediato, 28 de Maio de 1926, pelas 6:00 da madrugada, inicia-se a sublevação militar, com acompanhamento e apoio civil, incluindo do operariado da região, organizando-se uma coluna que parte sobre Lisboa. Coincidência, ou talvez não, na organização e na forma de mobilização há muitos traços comuns com a marcha sobre Roma, que a 28 de Outubro de 1922, pouco mais de três anos antes, levara à institucionalização do fascismo em Itália.
Seguindo o tradicional modelo do golpismo militar português, a partir de um pronunciamento na periferia, neste caso em Braga, o movimento repercute-se por todo o país com um grande número de unidades militares a proclamar logo nesse dia e ainda maior número no dia seguinte, 29 de Maio, a sua adesão ao golpe. Em Lisboa, verdadeiro alvo do movimento, uma Junta de Salvação Pública lança um manifesto que Mendes Cabeçadas se apressa a entregar a Bernardino Machado, o cada vez mais isolado Presidente da República.
Logo a 29 de Maio, a guarnição de Lisboa adere em massa ao golpe de Gomes da Costa, já sob a liderança de Mendes Cabeçadas, que com Armando Humberto da Gama Ochoa, Jaime Baptista e Carlos Vilhena formam a revolucionária Junta de Salvação Pública. Nesse mesmo dia os sublevados obtêm o apoio de Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, o temido comandante da polícia da capital. Nessa tarde, isolado e sem meios ou vontade de resistência, o governo de António Maria da Silva apresenta a sua demissão a Bernardino Machado.
Consumada a demissão do governo, a 30 de Maio Bernardino Machado convida Mendes Cabeçadas a formar governo. Este aceita e assume as funções de presidente do Ministério, acumulando interinamente todas as outras pastas. Igualmente nesse dia, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral é nomeado governador civil de Lisboa, consolidando a tomada efectiva do poder na capital. Perante a estabilidade conseguida e ultrapassado o risco de confrontos, Gomes da Costa dá ordem a todas as forças militares golpistas disponíveis para avançarem sobre Lisboa. Estava concluída a fase militar do pronunciamento.
A vertente civil prosseguiu com igual celeridade: nomeado o governo, a 31 de Maio Mendes Cabeçadas manda expedir, significativamente através da secretaria do Ministério da Guerra, a ordem para se encerrar o Congresso da República Portuguesa. Era o fim oficial do parlamentarismo português. Perante a afronta, isolado e sem meios de resistência, nesse mesmo dia Bernardino Machado resigna, entregando a chefia do Estado a Mendes Cabeçadas.
Nesse mesmo dia, numa declaração que retrata bem o espírito que se instalara em Lisboa, o major Ribeiro de Carvalho, apelava na imprensa a que se repetisse o modelo da Regeneração de 1851, com uma política ampla e de generosa conciliação nacional, ao mesmo tempo que salientava que a vitória da revolução é, antes de mais nada, um triunfo da opinião pública. Os revoltosos venceram porque ninguém estava disposto a sacrificar-se por um governo que não traduzia os votos da nação.
Aparentando não ter um projecto claro de tomada do poder, o general Gomes da Costa, ainda em Coimbra na sua marcha sobre Lisboa, anuncia a 1 de Junho a formação de um triunvirato por si presidido, incluindo Mendes Cabeçadas e Armando Humberto da Gama Ochoa. Contudo, numa primeira cisão, Gama Ochoa retira-se, recusando a solução.
Entretanto, de vulgar golpe militar, o movimento iniciado a 28 de Maio tinha-se transformado numa vastíssima coligação mestiça de republicanos conservadores, monárquicos e nacionalistas revolucionários com um núcleo de jovens oficiais, apoiado e aceite por todos os sectores sociais e pela esmagadora maioria dos portugueses. A 3 de Junho as tropas de Gomes da Costa chegaram a Sacavém de comboio e entraram em Lisboa sem sabotagens, nem resistência. Gomes da Costa prefere aguardar a formação de governo estável e a preparação de uma marcha triunfal antes de entrar em Lisboa e dirige-se para a Amadora, onde permanece com o seu estado-maior.
Entretanto, nesse mesmo dia 3 de Junho, em Lisboa Mendes Cabeçadas organiza o novo governo, entregando a Gomes da Costa as pastas da Guerra e interino da Marinha e Colónias. Para as Finanças escolhe António de Oliveira Salazar, para a Instrução Pública, Joaquim Mendes dos Remédios, para a Agricultura, Ezequiel Pereira de Campos e para a Justiça, Manuel Rodrigues Júnior. Três dos ministros escolhidos (Mendes dos Remédios, Manuel Rodrigues e Oliveira Salazar) são professores da Universidade de Coimbra, tendo por isso ficado jocosamente conhecidos pela Tuna de Coimbra.
Mas a incerteza é grande, estando cada vez mais clara que a solução bicéfala Gomes da Costa-Mendes Cabeçadas é insustentável. Daí que os ministros da Tuna de Coimbra decidam, a 4 de Junho, fazer uma primeira paragem na Amadora, onde permanece Gomes da Costa, para conhecerem a real intenção do novo poder. Desse encontro resulta que Mendes dos Remédios e Manuel Rodrigues prosseguem para Lisboa e tomam posse, mas Oliveira Salazar, mais timorato, volta para Coimbra no dia seguinte.
Preparado cenário, a 7 de Junho o general Gomes da Costa toma posse das pastas para que fora nomeado e comanda um impressionante desfile militar de vitória ao longo da Avenida da Liberdade. Desfilam 15 000 homens perante o aplauso de centenas de milhar de pessoas. Está terminada a marcha sobre Lisboa e o novo poder está completo nas suas vertentes militar e civil.

A estabilização no poder e as lutas internicinas

As consequências da estrutura bicéfala do poder e excessiva abrangência da coligação mestiça não permitiam uma agenda comum. O governo presidido por Mendes Cabeçadas, que era simultaneamente o chefe de Estado, já que fora nele que resignara Bernardino Machado, não era compatível com a liderança real, ou pelo menos esperada, do general Gomes da Costa, o herói do 28 de Maio e o comandante da Parada da Vitória que tinha percorrido a Avenida da República a 7 de Junho. Daí que as tensões e as lutas fratricidas entre os novos senhores do poder não se fizessem esperar.
Desde logo Mendes Cabeçadas, revolucionário de uma linha moderada, julgava ainda ser possível constituir um governo que não pusesse em causa o regime constitucional, mas apenas livrasse Portugal da nefasta influência do Partido Democrático. No entanto, os demais líderes do movimento, entre os quais Gomes da Costa e Óscar Carmona, julgavam-no como sendo incapaz de liderar a desejada regeneração e, no fundo, o último vestígio do regime constitucional da Primeira República. Foi assim que após uma reunião dos revoltosos no seu quartel-general em Sacavém, realizada a 17 de Junho de 1926, o comandante Mendes Cabeçadas foi forçado a renunciar às funções de Presidente da República e de Presidente do Ministérios a favor do general Gomes da Costa. Era um golpe palaciano que punha fim à bicefalia do novo regime e dava novo passo em direcção à direita conservadora, afastando-o mais da herança parlamentar o regime anterior. Mendes Cabeçadas parte para o exílio.
Nesse mesmo dia 17 de Junho Gomes da Costa toma posse como Chefe de Estado e como Presidente do Ministério, assumindo interinamente todas as pastas. Estas solução leva a que logo a 19 de Junho seja formado um novo Ministério, presidido por Gomes da Costa, tendo como ministros no Interior, António Claro, nas Finanças, Filomeno da Câmara de Melo Cabral, na Marinha e Colónias, Gama Ochoa, na Instrução Pública, Artur Ricardo Jorge, na Justiça, Manuel Rodrigues Júnior e nos Negócios Estrangeiros, António Óscar de Fragoso Carmona.
Apesar da constituição de novo governo e do afastamento de Mendes Cabeçadas, a instabilidade cresce e logo a 6 de Julho dá-se uma remodelação do gabinete, com Gomes da Costa a assumir a pasta do Interior, Martinho Nobre de Melo a dos Negócios Estrangeiros, e, por apenas algumas horas, João de Almeida na Marinha e Colónias. A remodelação falha e cria-se um corrupio de nomeações e demissões que leva algumas horas mais tarde, a nova recomposição, com a substituição de António Claro, Óscar Carmona e Gama Ochoa, logo substituídos por Gomes da Costa, Martinho Nobre de Melo e João de Almeida.
Esta trapalhada governativa leva a que os ministros não atingidos pela recomposição, à excepção de Filomeno da Câmara, se declarem solidários com os restantes e o governo efectivamente colapsa. As forças mais conservadoras, agora lideradas por Óscar Carmona, assumem a liderança e a 8 de Julho o general Gomes da Costa é feito prisioneiro no Palácio de Belém, sendo posteriormente transferido para Caxias e Cascais, onde aguarda, sob prisão, a sua deportação para Angra do Heroísmo, nos Açores. A revolução acabava de destruir o seu principal obreiro e criador.
A 9 de Julho é a vez de António Óscar Fragoso Carmona formar governo, no qual acumula a Presidência do Conselho com a pasta da Guerra. Pouco mais de um mês depois da revolta, o 28 de Maio encontra finalmente uma linha de força no grupo conservador e nacionalista liderado por Óscar Carmona. A coligação mestiça entra num processo de rápida perda de abrangência e começam a predominar os que sonham imitar a experiência de Primo de Rivera e o fascismo mussoliniano. Apesar disso, tudo ainda era possível: desde um regresso mais ou menos musculado à ordem republicana até à própria instauração de um novo regime, já que o regime ainda se resumia a uma ditadura militar periclitante, à mercê de todas as conspirações e golpes.A primeira intentona dá-se a 11 de Julho, a partir de Chaves, com a sublevação do capitão Alfredo Chaves, a qual foi prontamente jugulada. No mesmo dia, Gomes da Costa parte para o exílio em Angra do Heroísmo. Fechava-se o ciclo, e o a partir daí o regime caminharia inevitavelmente para a direita, para a censura e para a progressiva supressão das liberdades cívicas que ainda sobreviviam. Os democratas e a esquerda radical ficavam reduzidos ao reviralho e aí permaneceriam até 1974.
Wikipédia

terça-feira, 29 de maio de 2007

Gernika



Em 26 de Abril de 1937, a força aérea nazi de Hitler, através da sua Legião Condor, bombardeava a cidade basca de Gernika. Aliás, não se limitou a bombardear; em verdade tentou dizimar toda a cidade. Na altura ao serviço das forças fascistas de Franco, o ataque a Gernika não teve quaisquer intentos militares, teve o objectivo de destruir tudo e todos em Gernika. Para a História ficou uma pequena árvore no centro da cidade que sobreviveu, sendo hoje um símbolo da cidade.

O ataque a Gernika foi um dos mais sinistros e simbólicos ataques das forças nazi-fascistas, durante a Guerra Civil de Espanha.

Em Paris, dias depois, desfolhando o jornal comunista L'Humanité, Pablo Picasso vê a notícia e as fotos do ataque a Gernika. É então que o Governo Republicano de Espanha lhe encomenda o quadro. Um notável quadro nasce. Actualmente o quadro encontra-se no Museu de Arte Reina Sofia em Madrid, ainda que envolto em polémica, pois o País Basco tem repetidamente pedido o repatriamento do quadro para o colocar em Bilbau, sendo recusado alegadamente por "fragilidade da obra".

A outra resistência


O município de Melgaço inaugurou no passado 27 de Abril um espaço museológico dedicado a uma outra resistência à ditadura do Estado Novo – a da emigração clandestina por razões económicas. Os que saíram a “salto”, quer dizer através de redes de contrabandistas, para lá dos Pirinéus, à procura de melhores condições de vida, foram muitos milhões. Na periferia de Paris, em Champigny, criou-se uma cidade feita de improviso e de barracas soltas, que na década de 1960 acabou por se constituir na 3ª cidade portuguesa mais populosa. O jornalista Sérgio C. Andrade visitou o Museu Memória e Fronteira e dessa visita fez uma reportagem que saiu no Público de 28/5/07. Com a devida vénia aqui transcrevemos, para que não se esqueça quão vulgar e ordinário foi o fascismo do Estado Novo.

Visita guiada por um velho emigrante da terra

"Vou andando por terras de França
pela viela da esperança
sempre de mudança
tirando o meu salário."

José Mário Branco (do álbum Margem de Certa Maneira)

Saindo do centro de Melgaço, chega-se ao Museu Memória e Fronteira como quem atravessa uma fronteira. Vai-se por uma pequena ponte pedonal, uma réplica em ponto pequeno da ponte sobre o rio Minho que liga a fronteira Valença-Tui, caminho de tantas travessias, tantas aventuras, tantas miragens. Percorrendo a ponte sobre o ribeiro, surge-nos, à nossa esquerda, um espigueiro como aqueles que logo se avistam à entrada da Galiza (tão idênticos, afinal, aos do Minho). Ao fim da travessia, à direita, aí está o novo Museu Memória e Fronteira. É um edifício transparente, de betão, ferro e vidro.
À entrada, José Augusto Pereira, 76 anos, rosto redondo e expressão apaziguada de quem soube lidar com a vida, evoca as suas memórias para uma televisão galega. Este velho emigrante por terras de França (e muitas outras, como se verá) aceitou abandonar por momentos o lar que habita na pequena vila minhota para nos guiar numa visita ao novo museu que em Melgaço convoca as memórias da emigração (e também do contrabando).
José Augusto espera-nos no início do percurso que o museu propõe ao visitante sobre a história da emigração, numa região que foi das mais afectadas por este fenómeno durante a segunda metade do século XX. Ao lado, há um curso de água, metáfora da fronteira e lembrança dos múltiplos rios que os emigrantes tiveram de atravessar. E há também uma banda sonora cheia de sons do quotidiano desses tempos: passos em fuga, a música de um acordeão, o apito de um comboio ao longe...
"Até me arrepio de ouvir isto. É mesmo igualzinho ao apito do comboio que eu ouvia na minha terra, quando vinha o vento. E eu gostava de ouvir..."
José Augusto nasceu em Castro Laboreiro, em 1931. Tinha apenas 16 anos quando emigrou para França, ao encontro do pai, que no ano anterior se tinha estabelecido na Bretanha.
"Éramos dois. Arranjámos documentos - falsos, claro - em como éramos galegos, e fomos de comboio até Pamplona. Dali fomos a salto, pela montanha, para França." Para a travessia, José Augusto e o amigo tiveram de desembolsar 850 pesetas para os passadores. "Chegámos a França de manhã cedo, depois de dormirmos uma noite na montanha, era no mês de Julho, e apareceram-nos dois polícias - eram os gendarmes, o meu companheiro sabia umas palavrinhas de francês, mas eles também falavam espanhol..."
E o que aconteceu, depois - foram presos? "Não. Eles perguntaram-nos: "Cadê os outros?" Queriam mais, para nos levar a todos a Bayonne. Se fosssemos oito ou nove, os guardas que nos acompanhavam até lá poupavam dinheiro. Mas nós éramos dois. Dormimos ali mais uma noite." E José Augusto explica que, nessa altura, apenas dois anos após o final da Segunda Guerra Mundial, do que a França precisava era de mão-de-obra. A dificuldade estava em atravessar Espanha.
Melhorar a vida
O percurso do museu tem um posto de fronteira simulado. Há uma farda da guarda civil espanhola e a reprodução de uma "desgraçada notícia" num jornal da terra, que dava conta de homens baleados quando tentavam escapar de carro.
Assustava-o ver esta farda? José Augusto diz que não. "Isto é a guarda galega. Eu sou de Castro Laboreiro, estávamos ali a cinco quilómetros da fronteira, conhecíamos os galegos e eles conheciam-nos a nós; não estranhávamos nada."
Mas a sua história já tinha passado além-Pirinéus. Na viagem tinha também levado a sua "mala de cartão". Era mais pequena do que a que está no museu de Melgaço. "Era uma malinha pequena, em cartão duro, com umas cordinhas. Lá dentro tinha uma roupinha para a gente se mudar - mas eu nem sequer me lembro, aos anos que foi." Mas lembra-se, afinal, de ter "esfolado as costas" com ela. "Fez-se-me um buraco, e via-se a roupa e tudo."
Continuamos a subir a rampa para o primeiro piso do museu. Sucedem-se as fotografias documentando os vários passos da aventura da emigração, tanto a legal como a clandestina: os passaportes e registos de saída, uma vista da pequena ponte de madeira do rio Trancoso, na fronteira de S. Gregório. "Eu não fui por aí, fui a Orense, pela raia seca", recorda José Augusto. Volta a ouvir-se o comboio - o ex-emigrante emociona-se: "Ah. É mesmo igualzinho... Sobe por mim acima."
Outros seus contemporâneos, como os milhares que se lhes seguiram, viajaram de camioneta, com os inevitáveis garrafões na mão, ou de carro. Mas o barco também fez parte dos meios de viagem. José Augusto, de barco só andou nos estreitos do Bósforo e de Dardanelos, quando, anos mais tarde, em 1953, partiu de França para trabalhar na Pérsia (actual Irão), "para fazer campos de aviação". "Era tudo da Nato, sabe: depósitos de gasolina, tudo aquilo escondido. Estive lá quatro anos, depois ainda fui para a fronteira da Síria. Quando aquilo acabou, vim outra vez para França. E em 1960 fui para o Canadá."
Continuamos a subir no tempo. Imagens do quotidiano dos emigrantes já em França: o trabalho, as barracas, a hora das refeições - "dormíamos cada quatro, uma cama sobre a outra; e juntávamo-nos para fazer o comer - na mesma panela, saía mais barato para três". Mais à frente, um emigrante posa com a Torre Eiffel em fundo. "Acolá estive três vezes, lá no alto. Mas isso já foi mais tarde. E desci pelas escadas. O dinheiro, naquela altura, não se juntava muito."
E sai-lhe uma meditação sobre a emigração: "Era para melhorar a vida mais um bocadinho. Lá sempre havia mais dinheiro, não é?. E Portugal sempre foi um país de emigrantes".
Principais destinos
O Museu Memória e Fronteira também documenta essa história em gráficos. Nas primeiras décadas do século XX, o principal destino era o Brasil, com o registo de quase 80 mil emigrantes entre 1912-15. Os anos da Segunda Guerra Mundial fizeram atenuar o movimento, que recrudesceu logo a seguir, no caso de Melgaço, com o fim da exploração do volfrâmio e o abrandamento do contrabando. A partir da década de 1960, com a Guerra Colonial, aparecem novos picos de emigração, desta vez sobretudo virada para a Europa, e a França em particular: em 1966 foram registadas 8 mil saídas legais, mas no início da década de 1970 houve mais de 100 mil saídas clandestinas para França.
Não é que em Portugal não se pudesse levar a vida, retoma José Augusto. "Muitas vezes diz-se que era a miséria. Não era bem isso. Era a gente que queria ir buscar mais. Vinha um rapaz novo de lá, e chegava aos bailes com a carteira cheia de dinheiro. E eu dizia "Nah, eu também tenho que ir". Era assim."
José Augusto só regressou definitivamente a Portugal em 1983. Ainda tentou convencer o filho a abrir um negócio em Viana. Mas um problema de coração levou-o a desistir. Entretanto, viúvo, encontrou repouso num lar, com o dinheiro da reforma.
Os discos que se vêem na última sala , junto a um pequeno anfiteatro onde outros emigrantes desfiam as suas memórias no pequeno ecrã, já não lhe dizem muito.
O emigrante, de Manuel Dias, Triste despedida, de Nel Garcia, ou Desfolhada, de Simone de Oliveira, como 28º à l"ombre, de Jean-François Maurice, ou C"est la même chanson, de Claude François, já são mais para as gerações que se lhe seguiram.
Regressamos ao rés-do-chão pelo elevador: "Agora é tudo mais fácil. É como as viagens." E volta o apito do comboio. "Sobe por mim acima!".

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Formação e consolidação do salazarismo e do franquismo (anos de 1930 e 40)

É já na próxima semana que se realiza o III Encontro Luso-Espanhol de História Política, desta feita dedicado à «Formação e consolidação do salazarismo e do franquismo nas décadas de 1930 e 1940».
O encontro académico decorrerá na Universidade de Évora a 4 e 5/VI (sala 131 do Colégio do Espírito Santo), por iniciativa do seu centro de investigação CIDEHUS.
Para mais informações sobre as comunicações vd. o respectivo programa.

domingo, 27 de maio de 2007

Provedor da Arquitectura, Arqº Francisco Silva Dias - Intervenção na TSF

No seguimento do debate Espaços da Memória -contributo para um roteiro da memória e da resistência da cidade de Lisboa, onde foi referenciada a participação e o empenhamento do nosso Movimento na luta pela preservação da memória da antiga sede da PIDE na António Maria Cardoso (bem como os compromissos já assumidos pela CM Lisboa e pelo promotor imobiliário), e onde também foi reafirmada a importância e urgência da constituição do Museu Nacional da Liberdade e da Resistência, que são dois dos grandes objectivos do Não apaguem a memória!, entendeu o Provedor da Arquitectura -arqº Francisco Silva Dias - referir a importância deste assunto na TSF.
Este é um tema que interessa a cada vez mais cidadãos, e motiva em cada dia mais e maiores vontades.
Vale a pena ouvi-lo e reflectir:

Opinião
"Na Ordem do Dia" com Francisco Silva Dias
25-05-2007
Nasceu e ganha crescente dinamismo o movimento cívico denominado "Não Apaguem a Memória!". Francisco Silva Dias comenta em A Ordem do Dia:



  • Intervenção na TSF
  • sábado, 26 de maio de 2007

    Regresso à Azervadinha




    A história foi brevemente contada por Nuno Teotónio Pereira aos que com ele fizeram a romagem ao Couço, no passado 10 de Março, a propósito do papel da Mulher na Resistência. Contou ele, na paragem junto da igreja da Azervadinha, como aquele templo se transformara numa polémica da comunidae católica progressista contra o regime ditatorial do Estado Novo. Em breve, uma fraternidade de padres holalndeses tinha assumido o múnus pastoral daquela localidade e, também, da freguesia do Couço. Conceberam o projecto de erguer uma igreja comunitária na Azervadinha e pediram ajuda a Nuno Teotónio Pereira para que ele a projectasse. O projecto esbarrou com a oposição dos agrários locais, que impuseram a expulsão dos sacerdotes holandeses e a cosntrução do tempo segundo a traça convencional. Para salvaguardar a ordem, o próprio Américo Tomás, dito Presidente da República, foi assistir à benção da igreja.
    O jornalista Fernando Madaíl foi à procura desses padres holandeses e acabou por encontrar um deles, com quem falou. Desse encontro surgiu uma reportagem que publico no Diário de Notícias Gente, do passado 5 de Maio e que com a sua autorização aqui reproduzimos, com a pequena foto do padre Bart Reker, da autoria de Rodrigo Cabrita.

    Padre holandês expulso voltou a Portugal

    Lia o Diário de Notícias após as orações, a missa e o pequeno-almoço na manhã de 18 de Fevereiro de 1970. Ainda não tinha acabado o artigo que dava conta de um abaixo-assinado de dez mil padres católicos e pastores protestantes que, na Holanda, defendiam a saída de Portugal da NATO, alegando que o Governo de Lisboa usava meios militares da organização para massacrar as populações das suas colónias, quando um ruído lhe desviou a atenção do jornal, onde se dava conta de que a manifestação não passava de propaganda antiportuguesa - e ainda não se tinha dado o massacre de Wiriamu, a aldeia moçambicana arrasada pela nossa tropa (a fazer lembrar o massacre americano na vietnamita Mi Lai), em 1972, que levou à expulsão dos padres de Burgos e do Macuti.
    Bart Reker conta ao DN que reconheceu o carro que parou diante da janela do seu quarto, no seminário que a Congregação dos Sagrados Corações tinha em Santa Iria de Azóia, compreendendo logo que a PIDE (a polícia política) o ia buscar outra vez. O padre holandês seria novamente levado até à fronteira e convidado a sair do automóvel em Badajoz, com a indicação de ser uma pessoa indesejável no nosso país. A única diferença é que, dessa vez, pararam no Couço - freguesia com um proletariado rural explorado pelos latifundiários e vítima da repressão policial - para meter outros dois padres holandeses na viatura da polícia política. Esse episódio, pouco conhecido, foi recordado pela Associação Não Apaguem a Memória! numa deslocação ao concelho de Coruche.
    Mas enquanto Reker mantinha contactos com os católicos progressistas quase desde a chegada a Portugal, em 1963, os sacerdotes do Couço, Adriano Van der Ven e Jan (para os paroquianos, João) Dekker, apesar de serem também da congregação fundada por Pierre Coudrin - um conservador que se opunha à Revolução Francesa sem desconfiar que os seus seguidores iriam difundir a doutrina social da igreja -, eram só padres rurais na freguesia que o regime dizia ser comunista.
    Reker tinha estudado no Colégio Português em Roma e foi professor no Seminário dos Olivais, no Instituto de Serviço Social e no Instituto Superior Católico, dando aulas em cadeiras que abordavam as "realidades terrenas" numa visão cristã. Na década de 60, começaram a ganhar importância os sectores dos católicos progressistas, que se opunham à guerra colonial e defendiam o fim dos presos políticos.
    Na madrugada de 1 de Janeiro de 1969, um grupo de católicos realizou uma vigília na igreja de S. Domingos, na sequência do apelo do Papa Paulo VI, que declarou que essa data passaria a ser o Dia da Paz. "A carta pastoral do episcopado português indicava que essa meditação e oração pela paz deveria ser sobre a guerra do Vietname", recorda Reker à conversa com o DN. Naquela igreja, pelo contrário, até era lido um relatório com o número de mortos no Ultramar e divulgado um texto em que se defendia a solução pacífica para a questão colonial. A ousadia dessa madrugada, em que se cantaram também os versos de Sophia que Francisco Fanhais musicou - "Vemos, ouvimos e lemos,/ não podemos ignorar" -, não teria as consequências da vigília de 1972, na capela do Rato, onde os participantes foram presos.
    A 3 de Janeiro de 1969 morre a mãe de Reker e o padre vai ao funeral, mas, quando regressa da Holanda, não o deixam sair do aeroporto. Esteve duas horas a exigir falar com o Patriarcado. Levado para a sede da PIDE, falou com "um inspector de nome italiano", provavelmente Barbieri Cardoso, número dois na hierarquia. A polícia política terá ficado convencida de que o clérigo holandês louro que lera o rol dos mortos na guerra colonial tinha sido Bart Reker, quando de facto fora o seu compatriota Nicolau Poelman.
    Barbieri chamou os agentes que meteram Reker no carro que o levou até à praça central de Badajoz, onde saiu com as duas malas e se hospedou num hotelzito, antes de se mudar para um colégio católico, ficando meses à espera que a situação se alterasse. Contactou o superior da Congregação em Lisboa, o seu cúmplice Teotónio Pereira, o seu o advogado José Manuel Galvão Teles e a sua ex-aluna e filha de Miller Guerra - deputado da Ala Liberal, grupo que acreditou na chamada Primavera Marcelista. Deram-lhe a entender que a situação política iria mudar e, em Julho, recebeu um telegrama a dizer que podia regressar. As autoridades eclesiásticas sugeriam-lhe que tivesse cuidado, uma vez que tinha contactos com... comunistas. "Os tais comunistas", que afinal eram todos católicos mas anti-ditadura, "não eram nenhum perigo para a fé".
    Entretanto, no Couço, onde o ministro do Interior, Gonçalves Rapazote, tinha uma quinta, Jan e Adriano tinham desenvolvido uma actividade pouco grata ao regime. O seu apostolado não se limitava à liturgia, pois também conviviam com o campesinato explorado pelos agrários e perseguido pelas greves contra o abaixamento dos pagamentos da jorna e pela jornada de oito horas de trabalho em vez de ser de sol a sol, com a PIDE a levar homens e mulheres para os seus calabouços.
    E se Adriano tinha desafiado o arquitecto Nuno Teotónio Pereira a desenhar uma igreja que fosse lugar de reunião e de catequese, Jan foi mais longe. Num funeral, lembrava que os ricos tinham obrigações que não se limitavam à esmola que davam aos pobres. Obviamente, mesmo sem estarem a ler o DN, entraram também no carro da PIDE rumo a Badajoz.

    quinta-feira, 24 de maio de 2007

    50 anos da Fuga do Aljube - madrugada de 25 para 26 de Maio de 1957

    Carlos Brito

    Na madrugada de 25 para 26 de Maio de 1957, três comunistas, presos políticos, fugiram da cadeia do Aljube: Carlos Brito, Américo de Sousa e Rolando Verdial.

    Em 1997, 40 anos depois, Carlos Brito, o único dos três que é ainda vivo, lembrou este fantástico feito da Resistência à Ditadura:

    "«Fuga audaciosa do Aljube», assim titulava o «Avante!», da primeira quinzena de Junho de 1957, a notícia da evasão de três comunistas daquela cadeia de Lisboa, consumada uns dias antes, na madrugada de 25 para 26 de Maio.
    Apesar de realmente audaciosa, como adiante se verá, esta é talvez, no notável historial das fugas dos comunistas portugueses, uma das menos conhecidas, nos seus pormenores.

    A espectacularidade, a margem de risco e a rigorosa preparação colectiva que rodearam esta fuga, além do indispensável apoio partidário, bem merecem ser divulgados, agora que se perfazem 40 anos sobre a sua realização.
    É o que, como único sobrevivente dos três evadidos de então, me proponho fazer na breve memória que se segue.
    Nos princípios de 1957, a PIDE concentrou um grande número de presos políticos na cadeia do Aljube de Lisboa, o que não era habitual, visto ser a cadeia usada sobretudo para manter os presos no período mais intenso de interrogatórios e torturas.
    A cadeia do Forte de Caxias, que funcionava como depósito de presos, tinha, entretanto, entrado em obras, mas a repressão e a prisão de oposicionistas à ditadura, especialmente de comunistas, não tinha parado.
    Vivia-se um momento importante da resistência antifascista.
    Os finais de 56 tinham sido marcados por lutas estudantis de uma certa envergadura, que culminaram, já em Janeiro de 1957, com uma manifestação em S.Bento, em frente da chamada Assembleia Nacional, de cerca de 3 mil estudantes, em protesto contra o decreto 40.900, que ameaçava de liquidação as Associações de Estudantes.
    Desenvolvia-se em numerosas empresas industriais, por todo o país, um surto de lutas operárias por aumento de salários e no Alentejo os assalariados agrícolas lutavam contra o desemprego e a fome.
    Os comunistas impulsionavam estas lutas, ao mesmo tempo que preparavam o V Congresso do PCP, que veio a realizar-se em Setembro.
    No plano legal e semi-legal havia também uma certa dinamização da acção democrática que conduziu à realização do I Congresso Republicano de Aveiro, em Outubro desse ano, e à intervenção de listas da oposição democrática na farsa eleitoral fascista para a chamada Assembleia Nacional, efectuada no mesmo mês.
    A anormal população do Aljube, decorrente da repressão destas actividades, deu força aos presos para iniciarem um processo de luta por melhores condições prisionais, em relação ao regime de visitas, à alimentação, à higiene e outras.
    A PIDE tentou conter este movimento com a sua táctica habitual de «isolar os cabecilhas» e assim transferiu das diferentes salas para o último da andar da cadeia - uma enfermaria desactivada - os presos considerados mais perigosos. Éramos oito no início, depois ficámos dez, quase todos funcionários do PCP e três membros do Comité Central - Francisco Miguel, Blanqui Teixeira e Américo de Sousa - todos eles grandes obreiros da fuga, embora só último tivesse fugido.

    Os preparativos
    Mal assentámos arraiais nas novas instalações, começámos a avaliar as possibilidade de fuga. Ao cabo de uma semana, não mais, de cogitações individuais e reflexões colectivas a resposta foi afirmativa: havia condições de fuga.
    Pretendíamos explorar a circunstância de nos encontrarmos num andar recuado e de um pouco abaixo das janelas gradeadas correr um estreito algeroz, que concebido para a remoção das águas nos podia conduzir à liberdade.
    Seria sempre um plano arrojado, pela altura, correspondente a um quinto andar, e o desamparo do percurso.
    Colocava-se, entretanto, um grande número de interrogações: - Qual a consistência do algeroz? Onde ia dar? A que distância ficava do prédio vizinho? Como passar dos telhados para a rua?
    Também pressupunha grandes dificuldades: para aceder ao algeroz era preciso serrar as grades de uma das janelas. Mais interrogações: - Onde arranjar a serra? Como fazê-la entrar na cadeia?
    Ainda outras: - Qual o comportamento dos guardas durante a noite? E especialmente, como faziam a vigilância das grades?
    Só reunindo respostas para todos estas interrogações se podia pensar em elaborar um plano de fuga minimamente consistente.
    Então o colectivo decidiu: toda a prioridade à fuga. E a partir daí a vida da sala ficou subordinada a este objectivo fundamental.
    Fez-se chegar ao Partido por meios ultra-clandestinos, naturalmente, o nossos propósitos e as nossas necessidades. Tomaram-se variadas medidas para a recolha de informações.
    Montámos a nossa própria vigilância à actividade nocturna da prisão. Durante toda noite ficavam dois presos acordados, em turnos de duas horas, que registavam tudo o que viam e ouviam, especialmente o comportamento dos guardas de serviço à sala.
    Para grande alegria nossa registámos que, tal como durante o dia, as rondas nocturnas faziam uma observação muito superficial às grades, limitando-se a examiná-las com um foco de lanterna.
    Um belo dia chegou-nos a resposta do Partido aprovando a fuga e prometendo os apoio pedidos. Pouco depois chegou-nos a serra dissimulada na prenda de anos para um de nós.
    Podíamos iniciar a tarefa decisiva de serrar as grades. Quando passámos à prática, embora contássemos com camaradas experientes na matéria, como o Francisco Miguel, logo se verificou que esta fase iria arrastar-se por muito tempo.
    O grande problema era aquele ruído inconfundível: um guincho penetrante que se ouvia longe e repercutia pelas paredes.
    Só nos momentos em que se sabia que o guarda de serviço estava ocupado com outras preocupações é que se podia trabalhar com relativa segurança. As sessões de corte eram, por isso, bastante curtas. E era preciso serrar quatro grades relativamente grossas, em cruz, para se poder passar.
    Em compensação, o disfarce da zona cortada, feito com miolo de pão pintado com aguarela da cor das grades, resultava em cheio. Os guardas miravam, miravam e parecia-lhes tudo bem.

    O plano
    Chegou-nos uma outra boa notícia: estava devoluto o último andar de um prédio vizinho, não o encostado à cadeia, mas o que se lhe segue naquela ala da Rua Augusto Rosa, exactamente o edifício onde viveu o actor e que está assinalado por uma lápide. Era uma informação da maior importância, pois podia resolver o problema de passar dos telhados para um andar que nos dava acesso à rua.
    Nesta altura já tínhamos amadurecido o plano da fuga que compreendia as seguintes fases: primeira, passar a grade para o algeroz; segunda, caminhar no algeroz uns dez metros; terceira, descer por corda, a pulso, uma altura de seis metros, entre o algeroz e o telhado do primeiro prédio; quarta, atravessar o telhado do primeiro prédio e passar ao telhado do segundo prédio; quinta, tentar passar do telhado do segundo prédio para o andar devoluto e daqui procurar saída para a rua.
    Era preciso fazer cordas para vencer os diferentes desníveis, os que conhecíamos e outros que podiam surgir. Os lençóis e os cobertores ofereceram bastante matéria prima.
    Houve finalmente que escolher quem fugia. Não podíamos ir todos e a natureza da fuga exigia certas aptidões físicas. Levaram-se em consideração as características acrobáticas do plano (completamente desaconselhado para quem, por exemplo, sofresse de vertigens), a situação jurídica (possibilidade de libertação, a mais ou menos, curto prazo) e a vontade de cada um.
    Ponderadas todas estas razões foram seleccionados: o Américo Sousa, na altura destacado membro do CC, que faleceu em Março de 1993; eu próprio que era funcionário do Partido e tinha então 24 anos; e Rolando Verdial, que chegou a ter tarefas de responsabilidade no Partido, mas que traiu na polícia anos mais tarde e que, ao que consta, morreu antes do 25 de Abril.
    O dia da fuga foi marcado em função do guarda de serviço, no que, aliás, nos enganámos, pois tinha havido uma mudança na escala.

    Prisão do Aljube

    A fuga
    Antes de iniciarmos a partida, depois da ronda das duas da madrugada, ainda havia algumas tarefas de grande melindre, como o último puxão para arrancar a cruz cortada nas grades. Tinha sido totalmente serrada em três hastes, ficando a quarta com uma espessura residual suficiente para manter no sítio a peça toda.
    Feito isto, começámos. O primeiro sair foi o Américo. Eu estava especialmente ansioso. Depois chegou a minha vez. Deitei-me de costas na mesa que tínhamos encostado à janela, para facilitar a saída. Fiquei então absolutamente calmo e totalmente concentrado em cada gesto. Passei os braços e depois a cabeça pelo espaço aberto nas grades. Trepei por estas até ficar totalmente de fora. Desci para o algeroz, reparei de relance na respeitável altura a que me encontrava e lá em baixo, ao fundo, no guarda da GNR. Caminhei de lado, inclinado para a frente e apoiado na parede, que era recoberta de telhas como nas águas-furtadas. Fui juntar-me ao Américo e ajudá-lo a amarrar a corda de lençóis numa janela que havia mais à frente, numa sala que nos servia de refeitório. Feita esta operação, continuámos, no mesmo jeito de caminhar, até à extremidade do algeroz que contornava a frontaria do edifício e acabava um meio metro depois, na parede lateral. Tinha uma sensação de completo desamparo, como se boiasse no ar sobre uma Lisboa nocturna, magnífica nas suas pistas iluminadas, até à mancha negra do rio. Lançámos a corda, que eu fixei no baixo parapeito do algeroz enquanto o meu companheiro da frente a descia a pulso. A corda era curta. A distância excedia os seis metros calculados. O Américo teve dificuldade em firmar os pés no telhado. Fez-se barulho. Entretanto, o terceiro da fuga chegou junto de mim. Agora fixava ele a corda, enquanto eu descia a pulso. Em baixo o Américo amparou-me, o que ambos fizemos a seguir ao Verdial, tornando a chegada ao telhado mais suave.
    Atravessámos o primeiro edifício, procurando a cumeeira do telhado onde as telhas ofereciam maior consistência. Passámos para o segundo edifício. O desnível ainda era grande mas não foi preciso corda. Avançámos até ao beiral. Estávamos sobre o andar devoluto. Sabíamos que era possível saltar para uma varanda e sabíamos que nesta alguém tinha deixado uma janela aberta para nos dar passagem. Tinha sido a camarada Deolinda Franco, que visitara a casa na véspera, como se a quisesse alugar, e que, além disso, desempenhou um importante papel em todo apoio exterior à fuga. Saltámos para a varanda com alguma dificuldade e algum ruído que ecoou pelas muralhas marmóreas da Sé.
    A janela estava realmente aberta, entrámos na casa, fomos à porta da escada, puxámos os trincos, podíamos sair. Foi, então, o momento de calçarmos os sapatos e vestir os casacos que trazíamos amarrados à cintura e também de compor o cabelo. Depois descemos as escadas como quaisquer cidadãos regressados de uma paródia nocturna. Chegámos à porta da rua que estava a uma distância de cinquenta metros da sentinela da Guarda Republicana de serviço à entrada do Aljube. O guarda fazia um pequeno passeio, para lá e para cá da porta da prisão.
    Aproveitámos o trajecto em que ia de costas para nos esgueirarmos até à esquina que era próxima, onde está hoje a Tasca da Sé. Depois caminhámos rápido. Seguimos uma rua onde devia estar um carro à nossa espera. Mas não estava. Foi o maior contratempo de todo o plano.
    Para grandes males grandes remédios, fizemos um galope até ao Largo da Graça onde apanhámos um táxi. Em breve estávamos a salvo.

    Muitos anos depois, numa das primeiras festas do «Avante!», um jovem dirigiu-se-me para me falar desta fuga. Ele morava, na altura, ainda criança, no último andar do prédio encostado ao Aljube, onde nós aterrámos quando descemos do algeroz. Acordou com o barulho e gritou para o pai que eram ladrões. «Quais ladrões?! São gatos, dorme rapaz!». Quando foi dado o alarme na prisão e a PIDE e a PSP apareceram em força, o pai explicou-lhe que tinha sido uma fuga de presos políticos, pessoas honestas que queriam o bem dos meninos como ele.

    Assim se faziam as vitórias da luta antifascista."

    Miguel Torga e a repressão cultural sob o Estado Novo

    Um livro que aqui anunciámos, sobre a perseguição da polícia política ao escritor Miguel Torga, vai ser lançado este sábado, contando com uma apresentação por Irene Pimentel.
    Aproveita-se para reproduzir a informação do convite:
    "As Edições Minerva Coimbra, o Director da Colecção Minerva História, o Autor e a Coordenadora Científica do CEIS20, convidam para o lançamento do livro Miguel Torga e a PIDE: a repressão e os escritores no Estado Novo, de Renato Nunes.
    A apresentação será feita pela Prof. Doutora Irene Flunser Pimentel. A sessão realiza-se no próximo dia 26 de Maio, pelas 16h30, na Livraria Minerva (Rua de Macau 52, Bairro Norton de Matos), em Coimbra.
    N.º 26 da Colecção Minerva História dirigida pelo Prof. Doutor Luís Reis Torgal.
    Segundo o Director da Colecção Minerva História, Luís Reis Torgal, «este será o primeiro livro desta colecção inteiramente dedicado ao estudo de um processo da PIDE, no contexto de uma série a que poderíamos chamar “A repressão e os escritores”. Seguir-se-ão livros sobre os casos de Aquilino Ribeiro e de Fernando Namora».
    Nesta obra o autor procura analisar os processos instruídos pela polícia política a um dos mais consagrados escritores portugueses do século XX - Miguel Torga, pseudónimo adoptado por Adolfo Correia da Rocha.
    Em anexo, o autor optou por apresentar, uma breve cronologia dos processos de Miguel Torga na polícia política e também alguns originais e, por vezes, surpreendentes documentos extraídos dos processos do escritor na PVDE/PIDE/DGS.
    «A presente obra é, pois, como o seu título indica, um estudo sobre um processo organizado pela PIDE (utilizamos apenas a sigla que se tornou tristemente célebre), que mostra como a nossa “ditadura” não teve, efectivamente, o carácter “original” e “benevolente” – imagem que o regime deu de si próprio – que se lhe quer por vezes atribuir, numa lógica “revisionista”. A literatura, como qualquer outra arte, ou qualquer forma de vida (incluindo o quotidiano de cada um, a vida de família, o domicílio, a correspondência…), era constantemente vigiada e violada.
    Na qualidade de historiador não poderemos omitir esta realidade objectiva que se nos depara com uma grande clareza quando consultamos o Arquivo da PIDE/DGS na Torre do Tombo. Os seus processos são de uma grande evidência, ao contrário de outras fontes ideológicas e de propaganda que mais facilmente encandeiam o juízo dos leitores, mesmo dos historiadores, mormente os cientistas sociais estrangeiros, apresentados muitas vezes como “paradigma científico”, mas que nem sempre conhecem bem a realidade portuguesa e que repetem de forma automática, ou com pressupostos de complexa (ou simplista) engenharia teórica, uma longa cadeia de testemunhos ideológicos e “científicos”, nem sempre, todavia, rigorosamente avaliados». Luís Reis Torgal
    Renato Nunes nasceu no dia 3 de Julho de 1980 em Lille (França), embora as suas origens estejam associadas ao concelho de Oliveira do Hospital. Licenciou-se em História, Ramo de Formação Educacional, em 2003, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Actualmente, lecciona na Escola Básica 2, 3 de Tondela. Colaborador do Centro de Estudos Interdisciplinares do século XX da Universidade de Coimbra (CEIS20), tem vindo a estudar os processos de alguns escritores na polícia política do Estado Novo e na Direcção-Geral de Censura. Para além deste livro, que constitui a sua primeira publicação historiográfica, está a preparar uma outra obra sobre idêntico tema relativo a Aquilino Ribeiro."

    Edições MinervaCoimbra
    Rua de Macau, 52
    3030-059 Coimbra
    Contactos:
    tlm.: 917640027; tel: 239 701117 / 239 716204
    fax: 239 717267; e-mail: minervacoimbra@gmail.com

    Por teu livre pensamento – histórias de 25 ex-presos políticos portugueses


    O livro Por teu livre pensamento – histórias de 25 ex-presos políticos portugueses , já anunciado neste blogue, terá uma apresentação no auditório da Feira do Livro de Lisboa, no Sábado, dia 26 de Maio pelas 20H00.
    A apresentação contará com a presença dos autores e alguns dos Ex-presos políticos que figuram na obra.

    "Arte e Literatura na Guerra Civil de Espanha" de João Cerqueira


    Dia 24 de Maio, às 21:00, na Fundação Mário Soares, é apresentado o livro Arte e Literatura na Guerra Civil de Espanha de João Cerqueira.
    "Durante a Guerra Civil de Espanha e posterior regime franquista a
    arte e a literatura despontam como forma de resistência à opressão e à violência, encarnando um sentimento profundo de insubmissão e esperança. Uma intensa força espiritual compele artistas, escritores, cineastas, músicos, operários e camponeses a explorarem as suas potencialidades criativas para servir um ideal político-filosófico. Desse esforço desesperado resultou um número difícil de quantificar de obras literárias, artísticas, cinematográficas, teatrais e musicais. No embate com o tempo muitas não resistiram à carga de propaganda que lhes deu origem. Outras, devido ao carácter universal e intemporal, transcenderam o contexto histórico original, mantendo incólume a genialidade e o fulgor humanista na passagem pelo crivo dos anos."


    Nascido em Viana do Castelo a 23 de Outubro de 1964, João Cerqueira é licenciado e mestre em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e prepara um doutoramento sobre José de Guimarães.
    Foi convidado pela revista Arte Ibérica para efectuar a cobertura das exposições decorrentes durante o Porto 2001 Capital Europeia da Cultura e é colaborador da revista Idearte.
    De entre os livros de referência escolhe, como guia espiritual e manual de instruções para a sinuosa estrada da vida, O elogio da loucura de Erasmo de Roterdão.
    É membro da Amnistia Internacional e da Associação Raoul Follerau.

    Alberto Vilaça in memoriam

    O advogado antifascista Alberto Vilaça faleceu esta 2.ª feira, em Coimbra, sua cidade natal, aos 78 anos de idade.
    Vilaça era um dos mais antigos militantes do PCP em Coimbra, partido a que aderiu em 1949. Foi um activo associativista durante o Estado Novo, designadamente enquanto dirigente da Associação Académica de Coimbra, membro dos conselhos de redacção das revistas Via Latina e Vértice, presidente da assembleia-geral do Ateneu de Coimbra, e membro da Comissão Central do MUD-Juvenil e da Comissão Nacional do III Congresso da Oposição Democrática. Devido à sua intervenção política e cívica foi preso 6 vezes pela PIDE.
    Após a revolução de 1974, presidiu à Junta Distrital de Coimbra e foi representante à Assembleia Municipal de Coimbra durante sucessivos mandatos autárquicos. Foi um dos sócios fundadores da Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo (localizado em Vila Franca de Xira). Foi agraciado com o grau de grande oficial da Ordem da Liberdade pelo ex-Presidente da República Jorge Sampaio.
    Fontes: Diário de Coimbra e Público; imagem de Vilaça retirada daqui.

    quarta-feira, 23 de maio de 2007

    Aivados – memória da resistência rural no Alentejo


    Inês Fonseca vai apresentar na livraria Ler Devagar, no próximo sábado, dia 26, às 18h, a sua obra sobre memórias e identidade de uma aldeia do Alentejo, Aivados, no concelho de Castro Verde. Uma povoação que pela posse igualitária da terra se envolveu na luta pela reforma agrária logo após a Revolução de Abril. O livro, com a chancela da Dinossauro Edições tem por título Aivados. Posse da Terra, Resistência e Memória no Alentejo e teve por base a tese de dissertação que apresentou no seu mestrado em Antropologia, em 1997, sob orientação dos Profs. Jorge Crespo e Paula Godinho.
    A obra abre com a apresentação geográfica da localidade e o seu povoamento. Daí parte para a inserção regional de Aivados no território do Baixo Alentejo e para as estruturas sociais que ali existiam e se formaram ao longo do século XX. “Movimentos sociais no contexto alentejano” é o título deste capítulo que se desenvolve depois, no capítulo seguinte, na epopeia da posse colectiva da terra, “naquele dia [em que] éramos todos iguais”.

    Evocação a Zeca Afonso - 24/05/2007 às 22:00 horas


    No seguimento do jantar comemorativo do 25 de Abril, realizado no Mercado da Ribeira, em Lisboa, Em Abril, de novo Esperanças mil, realiza-se uma evocação a Zeca Afonso dia 24/05, às 22:00 horas, no Bar do Espaço da Ribeira com Carlos Alberto Moniz e José Jorge Letria.

    terça-feira, 22 de maio de 2007

    segunda-feira, 21 de maio de 2007

    O Saudoso tempo do fascismo - 23/05/2007 - 19:00 horas no Biblioteca-Museu da República e Resistência



    O encenador e dramaturgo Hélder Costa é actualmente encenador do grupo de teatro “A Barraca”, e fundou em 1970 o Teatro Operário de Paris.

    Dirigiu cursos e participou em congressos e festivais em França, Alemanha, Suíça, Argentina, Cabo Verde, México, Chile, Colômbia, Venezuela, EUA, URSS, Bélgica, Itália, Macau, Nicarágua e Uruguai.

    Ao longo da sua carreira foi distinguido com diversos prémios nacionais e internacionais como: o Grande Prémio de Teatro da RTP; o prémio da Associação de Críticos; e o Prémio da Associação de Actores e Directores da Catalunha e 1º Festival da Ciudad de México.

    "Escrito naquele tom descontraído de quem domina a velha arte de contar histórias, O Saudoso Tempo do Fascismo é uma colectânea de relatos situados na fronteira entre o memorialístico, o pedagógico e o humorístico. Recortes do tempo que falam dos bailes e do «arame farpado», da emancipação das mulheres, das críticas à praxe coimbrã, das arrogâncias do poder e do seu escarnecimento, das experiências teatrais, da contestação à guerra colonial, das peripécias que rodearam um inevitável «salto» para Paris. Histórias contadas com uma deliciosa dose de humor e ironia. Veja-se o exemplo da tentativa de captura do autor pela PIDE – «15 gajos de metralhadoras, partiram os teus móveis, levaram tudo» – que Hélder Costa recorda do seguinte modo:

    Comecei a rir, a pensar no ódio dos Pides quando entraram no meu quarto. Eu tinha preparado um cenário para lhes fazer perder a paciência. Em cima da secretária, um livro aberto de Mao Tsé-Toung sobre tácticas de guerra, e em cima do guarda-fato tinha posto um pacote com a indicação «não mexer».
    Dentro do pacote estava um enorme caralho das Caldas, com um lacinho cor de rosa… coitados, é natural que me tivessem partido a mobília… um grupo de bons rapazes amantes da Pátria e tementes a Deus, católicos, apostólicos, Romanos, com certeza habituados a transportar o andor em Fátima, funcionários da toda impune, poderosa e terrífica Polícia de Investigação e Defesa do Estado, a serem gozados por um puto estudante de Direito!"


    Do Blogue "Passado/Presente a construção da memória no mundo contemporâneo"

    domingo, 20 de maio de 2007

    Encontros/Debates sobre a Ditadura do Estado Novo - 15, 22 e 29 de Maio de 2007

    Hugo Dias, da Universidade de Coimbra, deu-nos conta de um ciclo de Encontros/Debates sobre o Estado Novo:

    "Nos dias que correm, podemos dizer que é evidente na sociedade portuguesa, alguma falta de discussão do período da História tão próximo de nós, e que parece ao mesmo tempo tão distante – o período denominado "Estado Novo".

    Caracterizado por uma ditadura conservadora, retirou a liberdade e a democracia ao povo português e provocou um grande atraso do país, entre outras coisas.

    A recente polémica em torno da criação da casa – museu António de Oliveira Salazar é um exemplo da falta de discussão e de algumas clarificações que se faz sentir.

    Na sequência de uma conversa, um grupo de estudantes da Universidade de Coimbra decidiu promover um ciclo de encontros/debate com o objectivo de promover a discussão do período da ditadura portuguesa."




    Estas conferências terão lugar no foyer do Teatro Académico Gil Vicente nos dias 15, 22 e 29 de Maio às 18h.

    Programa:

    Dia 15 de Maio 3ª feira
    18h00-Café-Teatro


    Da Primeira República ao Estado Novo, consolidação do Regime
    Com: Reis Torgal (Professor Catedrático de História da FLUC e investigador do Instituto de História e Teoria das Ideias e do CEIS 20) e Álvaro Garrido Professor Doutorado em História Económica e Social pela FEUC e investigador do CEIS 20) .

    Dia 22 de Maio 3ª feira
    18h-Café-Teatro


    Valores do Estado Novo na Arquitectura e no Cinema
    Com: José António Bandeirinha (Professor Doutorado em Arquitectura pelo Departamento de Arquitectura da FCTUC) e Paulo Cunha (Mestre em História pela FLUC e colaborador do CEIS 20) .

    Dia 29 de Maio 3ª feira
    18h00-Café-Teatro


    Juventude, Renovação Cultural, Movimento Estudantil
    Com: Rui Bebiano (Professor Doutorado em História Moderna e Contemporânea pela FLUC e investigador do Instituto de História e Teoria das Ideias e do Centro de Estudos Sociais) e Miguel Cardina (Mestre em História das Ideologias e Utopias Contemporâneas pela FLUC).

    Luuanda: prémio e castigo

    A 21 de Maio de 1965, o ministro da Educação Nacional determinou a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE). Na semana anterior, o Grande Prémio de Novelística fora atribuído a Luuanda, de Luandino Vieira. O premiado era membro do MPLA e estava preso no Tarrafal, acusado de atentar contra a «segurança do estado».
    Numa altura em que o regime de Salazar forçava o país a envolver-se acriticamente numa guerra colonial em três teatros de operações para defender a integridade da «Nação pluricontinental» portuguesa, a posição de independência assumida pelo júri e pela SPE fez temer a afirmação de uma «quarta frente». Com o beneplácito da Fundação Calouste Gulbenkian (que deixou de financiar o Prémio), o Governo pôs em marcha uma campanha de propaganda para denegrir e silenciar esses «traidores» que habitavam no «andar de baixo do mundo confuso das artes e das letras» (editorial do Diário da Manhã, de 22/05/1965).
    Luuanda foi publicado na capital angolana em Outubro de 1964, com o dinheiro do galardão Mota Veiga, e circulava em Lisboa desde o início de 1965, entre estudantes e intelectuais, em círculos próximos da Casa dos Estudantes do Império.
    Alexandre Pinheiro Torres, no suplemento “Vida Literária e Artística” do Diário de Notícias, foi o primeiro crítico a reconhecer em Portugal a qualidade literária das três histórias que formavam o livro. Em conformidade com esta posição, propôs, enquanto membro do júri do grande Prémio de Novelística, a entrada da obra no concurso.
    A 15 de Maio, o júri, também constituído por João Gaspar Simões, Manuel da Fonseca, Fernanda Botelho e Augusto Abelaira, reuniu-se para atribuir o prémio. Todos os jurados sabiam que Luandino estava preso no Tarrafal, mas não pensaram que a atribuição do prémio desse tanta polémica, levasse ao encerramento da SPE e à destruição da sua sede pela Legião e pela PIDE.
    A 22 de Maio, foram chamados a depor na António Maria Cardoso e ficaram presos, excepto Fernanda Botelho que conseguiu «escapar», por ser funcionária da Embaixada da Bélgica. Alexandre Pinheiro Torres, o último jurado a ser, preso, conseguiu ainda enviar para o Jornal do Fundão a notícia da atribuição do prémio, acompanhada de uma fotografia de Luandino Vieira. A publicação da notícia valeu àquele jornal a suspensão de 180 dias.
    Informação retirada de: Cláudia Castelo, “Prémio e Castigo”, Expresso, 20/05/1995, p. 98-105 [Revista]; imagem retirada daqui.

    sexta-feira, 18 de maio de 2007

    A Guerra Civil de Espanha no concelho de Barrancos


    "A terrífica guerra fratricida que marca a vida da Espanha entre 1936 e 1939 é, indubitavelmente, um acontecimento horrível que marca igualmente o nosso país e, em particular, os territórios que definem a fronteira entre os dois países."
    Miguel Rego

    "Quando em meados de Fevereiro de 1936 a Esquerda Republicana ganha as eleições por menos de 500 000 votos (4,5 milhões contra 4 milhões de votos dos partido de direita, não levando em conta os votos dos partidos radicais que rondaram o meio milhão), a Espanha torna-se um país bicéfalo e a abrir as portas a um conflito armado. O país tradicionalista e religioso não aceitou a derrota e a 18 de Julho, a partir das Canárias, o General Franco apela à sublevação “nacionalista” que o levará até ao norte de África onde inicia o Alzamiento (o levantamento militar) que o perpetuará no poder durante 30 anos.

    O conflito dura até 1939, transformando-se num campo de ensaios industriais e tecnológicos com fins militares, que servirá em particular para a Alemanha nazi preparar a II Guerra Mundial. O bombardeamento de Guernica, imortalizado por Picasso, é um dos mais violentos e mais paradigmáticos exemplos deste conflito sem regras em que se transformou esta guerra.

    Portugal viveu-a como se jogasse aí o seu futuro e, em particular, o futuro político do Estado Novo e do seu chefe António de Oliveira Salazar. Na realidade, o comportamento neutral que se exigia a um país como Portugal, e que tinha sido várias vezes pedido pela Sociedade das Nações, pois o novo Governo Republicano de Espanha havia sido legitimado pelo processo eleitoral legal e democrático de 16 de Fevereiro de 1936, nunca aconteceu. Portugal apoiou desde cedo a rebelião militar Nacionalista que se instala em Sevilha e, a partir daí, espalha o terror e a violência a todo o país.



    Naquela que se pensava ser uma guerra rápida, as tropas marroquinas chefiadas por Franco, procuram chegar a Madrid através de Badajoz e Mérida, ficando com a retaguarda salvaguardada e defendida pelos seus aliados portugueses. A fronteira foi então o palco privilegiado do conflito. Não só pela proximidade da guerra, cujos primeiros passos se dão junto ao território português, mas também por ser este o destino de fuga de todos aqueles que abalavam do medo e da violência do conflito armado.


    Pela sua localização geográfica, o concelho de Barrancos e, em particular, a Herdade da Coitadinha e as Russianas, uma e outra propriedade da família Fialho, encheram-se de fugitivos provenientes de Encinasola, Aroche, Higuera la Real, Fregenal de la Sierra, Valência del Mombuey, Oliva de la Frontera, Cala, Zafra, Zahinos, Almendro, Fuente de Cantos ou Segura de León, entre outras.

    Com uma facilidade inusitada, os falangistas rapidamente conquistam os territórios pobres desta região, depois da sua entrada em Badajoz a 15 de Agosto. Começam os mais terríficos atentados à vida humana relatados por alguns jornalistas que acompanharam a evolução do conflito, entre os quais o português Mário Neves, repórter do Diário de Lisboa, provavelmente o primeiro jornalista a entrar na cidade com as tropas nacionalistas.

    Paulo Barriga, no seu extraordinário trabalho “Campos de Concentração – O envolvimento português na Guerra Civil de Espanha”, editado pela Câmara Municipal de Barrancos, em 1999, dá conta de alguns relatos recolhidos na zona de Barrancos e que demonstram a violência que esteve imanente à evolução conquistadora das tropas de Franco. Francisco P., na altura com 75 anos, afirmou que as tropas falangistas às mulheres cortavam o cabelo e os seios, davam-lhes purgantes e passeavam-nas pelas ruas. Aos homens levavam-nos para os cemitérios e fuzilavam-nos”. Maria B. afirma que o purgante era feito “com pepino picado misturado com óleo de rícino. Ataram-lhes as saias à cintura, raparam-lhes a cabeça, deixando apenas uma mecha de cabelo (monha) onde prendiam uma fita encarnada. Depois passearam-nas pelas ruas a cantarem o hino da Falange”.


    Os relatos sucedem-se e cada um mais violento que o outro. Justificam-se as fugas, o terror, o medo que avassala as gentes esfomeadas das localidades fronteiriças. Os que podem fogem para Portugal. O território de Barrancos, onde a língua não é barreira e onde vivem muitos amigos e familiares destas gentes raianas, começa a ser o destino e a esperança para muitos dos fugitivos.



    A fronteira é agora um local ideal para as tropas falangistas capturarem “rojos” (como então se identificavam todos aqueles que defendiam a vitória da Esquerda nas eleições) e é ao longo da fronteira portuguesa que se repartem milhares de tropas com o intuito único de capturarem todos aqueles que andavam em fuga.


    Mas as gentes de Barrancos abriram os braços aos fugitivos, alguns familiares e amigos, no intuito de minorar a fome a todos eles e de dar tempo para que as tropas saíssem dali e cada um pudesse voltar aos seus lares. “São às centenas os relatos” que Paulo Barriga procurou obter destes momentos de solidariedade e que demonstram o espírito solidário que norteou o comportamento destas gentes raianas. “António M., 75 anos, recordava que: durante a guerra civil, éramos nós ainda pequenos, os meus pais estavam no campo. Um dia apareceu um homem fugido da guerra e os meus pais esconderam-no num monte de palha a ali permaneceu durante 40 dias. Só de noite é que nós lhe levávamos comida”.

    Entretanto, o estado português envia para a zona da fronteira reforços militares, com o receio de, na avalanche, alguns revolucionários portugueses procurarem derrubar o Estado Novo. São efectuadas batidas no sentido de precaver a existência de focos de revolta, mas as tropas portuguesas só encontram gente assustada, mulheres, crianças, velhos. O principal responsável pelo controlo desta fronteira é o Tenente Seixas, do Posto de Safara da Guarda-fiscal.


    Entre Agosto e Outubro de 1936, o responsável militar procura minorar a violência contra os foragidos e vai tentando salvaguardar a segurança daqueles que estão sob a sua alçada das mãos dos falangistas que por todos os meios tentam apanhar o maior número possível de “republicanos e rojos”. Sem grandes condições para manter os grupos separados, são criados dois “campos de concentração” (talvez o melhor termo seja o de campo de refugiados), onde se concentram mais de mil espanhóis. Os locais são a Herdade da Coitadinha, a cerca de 60 metros do monte, a montante do Poço da Ferradura, e na Almofadinha, junto à Choça do Sardinheiro. Os números exactos são de 1025 pessoas, aquelas que serão transferidas a partir de 8 de Outubro em camionetas para Moura e Beja e, finalmente, a partir de Lisboa, onde no navio Niassa chegarão ao Porto republicano de Tarragona, fugindo desta forma à fúria nacionalista que à época controlava toda a zona.

    Os relatos da altura falam do apoio dado em Beja pelas populações que forneceram água e víveres. E dos dois partos efectuados em Moura.


    A Herdade da Coitadinha vê-se desta forma associada à Guerra Civil de Espanha pela existência de um Campo de Concentração (talvez mais correcto seja a utilização do termo Campo de Refugiados), pela forma como todos aqueles que ali se encontravam, que funcionou durante quase três meses. A solidariedade manifestava-se pela alimentação que era fornecida, tanto pelos barranquenhos e, em particular, pelos proprietários, como pelo Estado português, pelas roupas que eram doadas, em particular às crianças, para além da segurança que estava imanente à sua presença ali.

    O campo era uma estrutura muito rudimentar em que uma das poucas construções efectuadas foi uma espécie de casa de banho dividida em duas partes, feita em chapas de zinco e troncos de azinheira, separando desta forma a área de utilização de mulheres e homens.


    Acoitados entre estevas e azinheiras, os refugiados viviam protegidos pela Brigada Fiscal de Safara, que para ali tinha sido destacada para proteger a zona da fronteira, bastante povoada do lado espanhol, e muito acicatada pelos militares falangistas que, quase sempre não faziam prisioneiros, mas mortos.

    Apesar de pouco divulgada esta estrutura marca bastante a memória da população de Barrancos, uma estrutura que tem ainda hoje como única referência física o Poço da Ferradura, e de onde se abasteciam os cerca de setecentos refugiados fugidos à violência das tropas que ocuparam as povoações espanholas da região de Barrancos.


    Na memória, serve sobretudo a coragem do Tenente Seixas que, desobedecendo aos seus superiores hierárquicos, assumiu a segurança de todos os espanhóis em fuga que entendiam ficar sobre o seu controlo e viu-se por isso castigado sendo compulsivamente reformado."


    Texto do Blogue Parque da Natureza de Noudar

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