domingo, 20 de maio de 2007

Luuanda: prémio e castigo

A 21 de Maio de 1965, o ministro da Educação Nacional determinou a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE). Na semana anterior, o Grande Prémio de Novelística fora atribuído a Luuanda, de Luandino Vieira. O premiado era membro do MPLA e estava preso no Tarrafal, acusado de atentar contra a «segurança do estado».
Numa altura em que o regime de Salazar forçava o país a envolver-se acriticamente numa guerra colonial em três teatros de operações para defender a integridade da «Nação pluricontinental» portuguesa, a posição de independência assumida pelo júri e pela SPE fez temer a afirmação de uma «quarta frente». Com o beneplácito da Fundação Calouste Gulbenkian (que deixou de financiar o Prémio), o Governo pôs em marcha uma campanha de propaganda para denegrir e silenciar esses «traidores» que habitavam no «andar de baixo do mundo confuso das artes e das letras» (editorial do Diário da Manhã, de 22/05/1965).
Luuanda foi publicado na capital angolana em Outubro de 1964, com o dinheiro do galardão Mota Veiga, e circulava em Lisboa desde o início de 1965, entre estudantes e intelectuais, em círculos próximos da Casa dos Estudantes do Império.
Alexandre Pinheiro Torres, no suplemento “Vida Literária e Artística” do Diário de Notícias, foi o primeiro crítico a reconhecer em Portugal a qualidade literária das três histórias que formavam o livro. Em conformidade com esta posição, propôs, enquanto membro do júri do grande Prémio de Novelística, a entrada da obra no concurso.
A 15 de Maio, o júri, também constituído por João Gaspar Simões, Manuel da Fonseca, Fernanda Botelho e Augusto Abelaira, reuniu-se para atribuir o prémio. Todos os jurados sabiam que Luandino estava preso no Tarrafal, mas não pensaram que a atribuição do prémio desse tanta polémica, levasse ao encerramento da SPE e à destruição da sua sede pela Legião e pela PIDE.
A 22 de Maio, foram chamados a depor na António Maria Cardoso e ficaram presos, excepto Fernanda Botelho que conseguiu «escapar», por ser funcionária da Embaixada da Bélgica. Alexandre Pinheiro Torres, o último jurado a ser, preso, conseguiu ainda enviar para o Jornal do Fundão a notícia da atribuição do prémio, acompanhada de uma fotografia de Luandino Vieira. A publicação da notícia valeu àquele jornal a suspensão de 180 dias.
Informação retirada de: Cláudia Castelo, “Prémio e Castigo”, Expresso, 20/05/1995, p. 98-105 [Revista]; imagem retirada daqui.

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