terça-feira, 3 de abril de 2007

No país da retórica maniqueísta

O pretexto deste post é a retórica como desporto favorito de certos espíritos sérios da praça.
Pacheco Pereira – já não é novidade, eu sei– saiu a terreiro no sábado para mais uma das suas investidas moralizantes da grei (vd. «Hábitos velhos e relhos», Público). Do alto dos pensamentos perfeitos e da mais fina retórica, o famoso dirigente do PSD resolveu equivaler o “salazarismo difuso” com o “politicamente correcto” de esquerda, onde se esforça por incluir todos os “«democratas»” (sic) que pensam de modo diverso do seu.
Diz Pereira que um cartaz racista e xenófobo do PNR não deve ser motivo de indignação e de reprovação, mesmo que a Constituição da República Portuguesa proíba organizações racistas e fascistas. Aduz que assim se lhe deu publicidade a mais, esquecendo-se que fez o mesmo com o seu artigo de opinião.
E parte daí para as suas habituais profissões de fé anti-esquerda, neoliberal e de americanismo primário, misturando alhos com bugalhos com o propósito retórico de tornar certas posições que lhe desagradam repulsivas.
Já do apoio parlamentar quase unânime dado na véspera à petição do movimento cívico Não apaguem a Memória! nem uma linha. Percebe-se: é que falar seriamente sobre políticas da memória, políticas museológicas, arquivísticas e científicas dá muito trabalho.
Ainda por cima quando a sua colega no hemiciclo, Zita Seabra, abalroou a ideia de preservar a memória da ditadura (e, de caminho, o consenso de vários países europeus), alegando uma suposta partidarização da memória, quando foi a própria que partidarizou a questão. Com efeito, o único deputado a opor-se foi Zita Seabra, assim ultrapassada pelo próprio CDS, que adoptou uma posição sensata. Seabra diz que o PCP usa esta memória para o jogo político, deixando passar a ideia (voluntariamente ou não) de que o Não apaguem a Memória! está ligado ao PCP, quando sabe perfeitamente que o movimento é apartidário. É claro que disto não convém a Pacheco Pereira falar. Mais vale dar umas piruetas e assobiar para o lado.
Deslocando a questão para um uso tenebroso da memória recente pelo PCP, este tipo de posicionamento esquiva-se a ter que indagar a falta de questionamento no trinténio democrático sobre o que foi a ditadura e que mensagem cívica, política e cultural pretendemos legar. E, deste modo, acaba por anular o próprio pluralismo de que se faz arauto defensor: é que há várias políticas da memória, várias memórias colectivas e também uma memória pública a construir resultante da mistura das restantes. Ora, apontar baterias numa direcção omitindo e/ou desvalorizando o que se passa à volta – tanto em termos de maus exemplos como de propostas válidas na mesa – não será um mau serviço prestado ao aprofundamento democrático, à pedagogia cívica, ao pensamento crítico e construtivo?

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