quinta-feira, 15 de março de 2007

Blogues temáticos na Almedina

A formação de uma opinião pública em Portugl começou por fazer-se através dos jornais, na senda da revolução liberal de 1820. Agora o processo é mais complexo, existem os jornais, mas também existem as televisões e, a partir da última década, o ciberespaço, onde a blogosfera se afirma cada vez mais como um espaço de criação de públicos.
O nosso Movimento, com o site Mais Memória, o blog Não Apaguem a Memória! as redes tod@s e info é disso um exemplo. Sem esse meio que é a Internet seríamos menos coesos, menos homogéneos, em resumo, menos informados das iniciativas, tendências e projectos do Movimento. É certo que tudo se decide nos plenários, mas a formação da opinião para essas decisões processa-se em boa parte pelos meios virtuais das nossas redes.
Vem isto a propósito da sessão que hoje, dia 15, decorre na Livraria Almedina, Átrio Saldanha, em Lisboa, a partir das 19h, promovida por José Carlos Abrantes, especialista dos media e antigo provedor dos leitores no Diário de Notícias. O blog do Movimento vai ser apresentado por Daniel Melo, em paralelo com dois outros blogues: o dinamizado por Pedro Mexia, Estado Civil, e o de Leonel Vicente, Memória Virtual.
Vai ser, certamente, uma discussão rica de ensinamentos, mesmo se na sua vertente teórica. Por isso aqui fica a informação do evento, para todos os interessados.

Avançando com pistas para o debate, aqui se inserem excertos de D. Dayan e José Tengarrinha, sobre a noção de públicos e a formação da opinião pública.

Para esclarecer o conceito de público vale pena recorrer a Daniel Dayan:

“A palavra público pode apresentar-se como um substantivo ou como um adjectivo. O substantivo pressupõe que existam públicos. Reenvia idealmente a uma ‘substância’ pública, a identidades relativamente reconhecíveis, eventualmente efémeras, mas suficientemente estáveis para serem descritas. Reflictamos, agora, sobre a dimensão adjectiva da palavra público. Fala-se então de comportamentos ou de opiniões públicas em relação a outras que dele seriam privados (isto é, privados de publicidade). Parece-me essencial ter em conta esta dimensão adjectiva da palavra pública, em tudo o que nela liga a noção de público à noção de ‘esfera pública’. A noção de público é, de facto, uma noção reflexiva.
O público do século XVIII constitui-se, diz-nos John Peters, à força de ler e discutir jornais, onde o assunto é o público. A noção de público consiste não apenas em ver, mas em ser visto. Todo o público reenvia assim para um outro público que o observa. Existem ‘maneiras de estar em público’, como existem maneiras de estar à mesa. É de modo ostensivo que os públicos se constituem, diferenciando-se de outros públicos. Noutros termos, ser um público é entregar-se a uma performance. Esta performance pode ser consensual ou polémica, mas não pode ser invisível. Não são, pois, públicos que se materializem contra vontade, ao dispor de uma meia dúzia de especialistas. Os públicos não irrompem do reino das sombras, eles não precisam de pitonisas para se exprimir.
O adjectivo público introduz, assim, uma distinção essencial face à passividade do recenseamento. Marca a vontade de proceder a uma apresentação de si próprio. Noutros termos, um público assume sempre, seja de que modo for, a pose. Um público sabe-se, e quer-se, observado.
[Daniel Dayan, “Televisão: das Audiências aos Públicos”, Livros Horizonte, 2006]

Sobre a formação de uma opinião pública em Portugal cita-se José Tengarrinha

Saber, por exemplo, quando é que em Portugal se formou uma opinião pública abalizada? Que flutuações sofreu ela ao longo dos tempos? Houve opinião pública durante o Estado Novo? Pode haver uma opinião pública em regimes ditatoriais?
As respostas dá-as aqui Tengarrinha, assente numa argumentação sólida, onde as referências históricas balizam a interpretação sociológica.
É bom saber que formação de uma opinião pública pode fazer-se em regimes ditatoriais, de resto é até fundamental para um regime desse tipo induzir uma opinião que lhe seja fiel e serviçal, ou como definiu o Estado Novo, “a bem da Nação”. Foi o tempo das fórmulas de reverência, sem outra referência que não fosse a expressão do “respeitinho” por quem manda: “venerando e obrigado, de Vª Exª, atenciosamente…” assim se terminavam as exposições, requerimentos e demais papelada, elaborada por escrivães “a rogo” de quem era analfabeto.
O Estado Novo quis criar um “bloco autoritário” que lhe desse uma legitimidade pública, que a ausência de um grande partido de massas lhe negava, como era o caso na Itália fascista ou na Alemanha nazi. O controle dos grandes meios difusores, através de uma legislação que basicamente se manteve de 1936 até à sua queda, em 1974, controlada por um serviço de censura rígido, foi o instrumento criado por Salazar e de que Marcello Caetano tentou aproveitar-se, com menor êxito.
Mas a existência de uma outra opinião pública, à margem dos media institucionais, e até clandestina, condicionou as ambições deste regime autoritário, que nunca conseguiu impor uma opinião pública única, mesmo se em certos momentos históricos, por exemplo no início da guerra colonial, em 1961, andou por lá perto.
[José Tengarrinha, “Imprensa e Opinião Pública em Portugal”, Ed Minerva, 2006]

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