terça-feira, 27 de março de 2007

"Há quem prefira ser escravo a ser livre"

É, é verdade que foi uma farsa, mas mesmo assim foi à custa do erário público e houve 50 mil chamadas (7 mil das quais para o ditador). E as 2 sondagens entretanto feitas, pela Marktest e a Eurosondagem, colocam o tirano no 4.º e 7.º lugares das preferências dos inquiridos, respectivamente, o que já dá mais que pensar (vd. P2, 27/III, p. 4-5). Por tudo isto, vale a pena meditar na imagem de Zé Dalmeida (intitulada «A morte saiu à rua... numa RTP assim», do seu blogue Pitecos) e na análise de José Vitor Malheiros («A única eleição que Salazar ganhou»), de que aqui fica um excerto relevante:
"Salazar no top diz-nos que a sociedade autoritária, repressiva, retrógrada, machista, fechada, pobre, colonialista e de guerra criada pelo ditador de Santa Comba se transformou na memória de muitos num paraíso de ordem, respeito e honestidade, gerido com bonomia por um burguês paternal de fato de três peças. O que nos lembra que a história se reescreve todos os dias, que as lições da história nem sempre se aprendem, que a democracia é frágil e que, por muito que isso nos repugne aceitar, há quem prefira ser escravo a ser livre.
Diga-se que há algo no formato do concurso que é desagradável em si e é lamentável que a estação pública de televisão tenha querido ser o seu promotor. O formato dos Grandes Portugueses e a eleição do «maior» de todos eles (com o repugnante slogan «Só há lugar para um!», à maneira da pior cultura popular americana), não se pode considerar que exalte os valores da cidadania. O formato escolhido (como, aliás, as escolhas feitas noutros países demonstram) já aponta à partida para alguém que se alcandorou a um lugar cimeiro, um lugar onde um ditador se sente certamente mais à vontade do que um escritor. Salazar sentir-se-ia (sentiu-se) à vontade neste lugar de «maior português de todos os tempos». Se lhe tivessem proposto o título, Fernando Pessoa engasgar-se-ia de riso, Luís de Camões de fúria e Aristides de Sousa Mendes sairia discretamente pela porta do fundo. É por isso que ocupam os lugares que ocupam. Que não precisam de epítetos".
(in Público, 27/III, p. 45)
Nb: outros textos específicos de José Leite Pereira, Cláudia Castelo e Daniel Melo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu que tenho orgulho no nosso passado histórico, de D Afonso Henriques à padeira de Aljubarrota, eu que tenho orgulho, não naqueles que partiram além fronteira, mas nos defenderam a fronteira, eu tenho de repensar o meu ponto de vista. Que gente é esta que elege como figura de top um ditador de má memória? Viveremos nós no mesmo país?