segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Encontros em lugares de Memória da Resistência - “Sem memória não há futuro”


Dia 27 decorreu a 2ª sessão de Encontros em Lugares de Memória da Resistência organizada pelo núcleo do Porto do Não Apaguem a Memória!

O jornalista Victor Melo do jornal 1º de Janeiro esteve presente e publicou o artigo que transquevemos:

O Movimento Não Apaguem a Memória! promoveu um encontro no Café Ceuta para ouvir relatos de protagonistas da luta contra a ditadura. Histórias de sofrimento contadas na primeira pessoa, num dos locais onde a liberdade era respirada, clandestinamente.

Sexta-feira, 24 de Março de 1967

Um tiro cruza a estrada e rebenta um dos pneus do velho Mini Morris, arrastando o veículo e os seus quatro ocupantes por uma ribanceira de 30 metros. Após uma queda revoltosa, imobiliza-se, capotado e em chamas. Dois dos ocupantes conseguem sair e retirar um outro por uma das exíguas janelas do já por si exíguo automóvel. O quarto ocupante, preso por um dos bancos, morreu queimado.

Jorge Pires recupera os sentidos deitado no alcatrão, com a visão de centenas de jornais a esvoaçar pela estrada. E foi precisamente com esses papéis e palavras proibidas a pairar à sua volta que seria algemado por dois agentes da PIDE, moribundo, ainda a ouvir os gritos de agonia do seu amigo a ser devorado pelas labaredas.

Com 21 anos, estudante do segundo ano da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e acabado de aderir ao partido comunista, tinha arrancado do Porto com destino a Lisboa. O carro foi interceptado na estrada nacional em Arrifana, perto de Santa Maria da Feira. Na bagageira seguia uma mala com centenas de jornais do Avante. “Na altura eram jornais clandestinos, proibidos. Bastava ser apanhado com um na mão para ser interrogado ou até preso”. As publicações eram impressas em tipografias sombrias, clandestinas, secretas. “Quando impressos no norte, eram distribuídos no sul ou vice-versa”.

O jovem estudante permaneceu hospitalizado durante quatro meses, sob ordem de prisão. “Era surreal, eu cheio de gesso dos pés à cabeça, a ser interrogado na enfermaria pelos agentes da PIDE, munidos de máquinas de escrever e ávidos por respostas”, recorda.

Em fins de Novembro é enclausurado nos calabouços da PIDE no Porto. Ali permanece, sem direito a visitas, tratamento hospitalar, ler ou escrever. Isolado do mundo sem nada mais do que a companhia omnipresente da luz acesa. Todos os dias descia da “tarimba” e caminhava, passos sem fim num espaço de três metros por dois. “Percorria aquilo de trás para a frente”, contando as vezes que fazia essa “viagem”. “Era a única forma de combater o stress”.
Recorda vividamente a espinha de bacalhau que lhe foi servida na cela na véspera de Natal, o balde dos dejectos, “as frias paredes de pedra, de branco sujo, com uma janela minúscula, gradeada, quase junto ao tecto”. Longe da vista, mas perto dos ouvidos. “Era angustiante. Ouvia o ruído dos carros, as pessoas a passarem na rua. Que dor era sentir o quotidiano das pessoas, indiferentes à minha presença naquela cela, à injustiça do meu cativeiro”.

A reminiscência é de Jorge Pires, 62 anos, professor de Filosofia e Psicologia e membro da Assembleia Municipal de Torres Vedras. As suas palavras são ouvidas no Café Ceuta, “local de inúmeras conversas secretas até às tantas da manhã, sempre na mira dos bufos fascistas”, no âmbito da iniciativa «Encontros em lugares de Memória da Resistência», protagonizada pelo núcleo do Porto do movimento «Não Apaguem a Memória!». Trata-se de um movimento cívico que visa a preservação da memória histórica das lutas de resistência à ditadura, promovendo encontros em lugares emblemáticos dessa resistência.

2 comentários:

Fralavor disse...

Para que a Memória não se Apague,, lembro aqui um grande lutador antifascista,que lutou contra o fascismo numa luta sem tréguas até ao VINTE E CINCO DE ABRIL. Estava preso quando chegou o dia da LIBERDADE. Foi solto e continuou na luta, mas agora noutras condições. Era preciso arrumar a casa e meter mobília nova. Felizmente está vivo e cheio de vigor, conforme tem demonstrado as suas intervenções na vida actual, e a última no Café Ceuta, encontro para o qual me convidou.
A longa noite fascista, temperou este nosso operário com carateristicas especiais de luta, que muita falta fazem a muitos que estão em lugares em que ele foi preterido. É que hoje escasseiam os democratas consequentes, mas abundam os democratas carregados de teoria até ás profundezas do seu cerne inlectual. Há-os que embasbacam os seus "ouvintes dos grandes meios de comunicação" impanturrando-os com altas congeminações filosóficas, tão ocas como incompreensiveis, sobre as mais retorcidas teorias,besuntadas de materialismo dialético, de que pouco entendem, mas no fundo não passam de pacatos cidadãos gozando a vida o melhor que podem, com os rendimentos das suas lucrativas ocupações. Jorge Carvalho, conhecido por "Pisco" foi criado com a avó e uma tia,que trabalhava no Banco Borges e Irmão de Matosinhos, como mulher de Limpesa, era ali que ganhava o dinheiro para o sustento do Jorje e a avó, uma senhora de avançada idade. O jorge Pisco entrou muito jovem para a luta ao serviço da classe operária, dotado de forte personalidade e com uma rica e poderosa unidade combativa,"Era mesmo o bichinho de focinho pontiagudo em prepétuo movimento". O Pisco aparecia em todos os sítios onde havia luta, manifestações, greve dos Pescadores,funerais, cooperativas,movimentos estudantis e Jovens etc.A pide prendeu-o várias vezes.Mas não era nada facil á pide prender o Jorge, porque ele dava-lhe luta e agredia mesmo, quando as prisões se davam em manifestações, como aconteceu algumas vezes. Em casa quando o iam buscar, ele saltava para cima dos telhados parecia mesmo um pisco a voar. Era e ainda hoje é um grande brincalhão, sempre bem disposto. Reuniamos um grupo de oito pessoas, em casa de amigos, na praia e nas bouças, Eu era o transportador, cheguei a levar 7 pessoas no meu carocha(volkswagem.) Durante as prisões do Jorge, eu ia a casa da avó confortá-la e a tia da dor que sofriam, porque o Jorge para elas era um filho e sofiam muito com a sua prisão. Obrigado Jorge pela tua contribuição para a nossa liberdade. fralavor

Fralavor disse...

MAIS UMA DO LUTADOR JORGE "PISCO"
O jorge tinha mesmo fibra de Lutador, não deixava fujir nenhuma oportunidade que lhe surgisse, para desmascarar o fascismo, denunciar a pide e a guerra colonial.Ele sabia que a melhor forma de agir era no meio do Povo e das grandes multidões. Um dia abordou-me, e disse-me:-"Está a chegar a noitada do S.João e eu preciso da tua ajuda. Organizavamos uma rusga de operários e jovens estudantes, para partir a pé da Senhora da Hora, até ás Fontaínhas,pelo caminho cantamos canções revolucionárias e gritamos, palavras de ordem,ABAIXO O FASCISMO, ABAIXO A PIDE, ABAIXO A GUERRA COLONIAL."Eu disse, olha jorge, estou de acordo, mas pelo caminho só cantamos as canções revolucionárias, e guardamos as palavras da pide, da guerra e fascismo, para as Fontaínhas."Ele disse:-Ó pá parece que estás com mêdo!!Respondi- É que não chegamos ás Fontaínhas, vamos ser intercetados no caminho e em vez do S.João, vamos parar á pide. Sim estou com mêdo, faz parte da nossa segurança e da nossa organização. Não podemos por em risco os jovens que vão na rusga e que desconhessem as nossas intenções. O jorge concordou e lá foi a rusga até ás Fontaínhas. Logo que chegamos ao meio da multidão, cantamos "Somos filhos da madrugada" e a seguir as palavras de ordem. ABAIXO A GUERRA COLONIAL, ABAIXO A PIDE, ABAIXO O FASCISMO.Mas foi Sol de pouca dura, passados uns minutos, um pide tentou prender o Jorge. Nós iamos todos agarrados á mão uns dos outros, para não nos perdermos no meio da multidão. O pide deitou a mão ao Jorge e tentava arrancá-lo do nosso meio.Eu levava uma boa bengala de junco com uma argola cravada no pé,e levantei a bengala na direção do pide e gritei não assalte o moço! O pide olhou para mim, e o Jorge aproveitou a distração do pide e deu-lhe um valente soco e começa agritar, que aquele gajo quer roubar.O pide fica meio aterdoado e os forasteiros a fazerem-lhe cerco. Aproveitamos a confusão e desaparecemos, fomos para os lados da ribeira ver o fogo preso. A missão foi cumprida.O Jorge venceu.
fralavor