Está a decorrer a visita do actual Presidente da República Portuguesa à Índia (de 10 a 17 de Janeiro). Hoje, foi-lhe atribuído o título de doutor honoris causa pela Universidade de Goa, perante reacções adversas de estudantes goeses.
Para um melhor conhecimento da história da queda do Estado Português da Índia, sugerimos a leitura do excelente trabalho de Maria Manuel Stocker, Xeque-mate a Goa (Lisboa, Temas & Debates, 2005), do qual transcrevemos alguns excertos.
"A história da queda da Índia Portuguesa é uma história de vulnerabilidade externa crescente de um país colonial ameaçado. Uma ameaça que começa na Ásia, na periferia do império, onde uma nova soberania pôs em causa a estabilidade de fronteiras centenárias. [...]
A disparidade entre as ordens de Salazar, a actuação no terreno no momento da invasão/libertação de Goa, a história filtrada pela censura e o luto nacional que se lhe seguiu ilustram a fragilidade do apoio militar ao regime, a importância da sua política de informação e um drama de 500 anos de consciência portuguesa.
Portugal foi chamado a iniciar o seu processo de descolonização em 1947, pela recém-criada União Indiana. Por via diplomática, o Governo de Nerhu, ao requerer a transferência de soberania dos pequenos territórios do Estado da Índia Portuguesa para o Governo da União Indiana, esperava que o Governo de Lisboa agisse de forma alinhada com o seu mais antigo aliado político e militar, a Grã-Bretanha. [...] O Estado Novo optou por não se envolver no processo histórico resultante da Segunda Grande Guerra, de dissolução dos antigos laços imperiais que o ligavam aos seus territórios de além-mar." (p. 252)
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"Salazar nunca confessou a sua estratégia de redução das tropas na Índia, seguida de derrota e vitimização. Na altura da invasão, não era conhecida da opinião pública a redução de efectivos no território, em benefício da defesa de África [...].
A estratégia cultural de vitimização de Portugal e das Forças Armadas foi prosseguida sem falhas até à invasão do Estado da Índia. Os meios de comunicação nacionais, totalmente controlados pela censura, chegaram ao ponto de inventar relatos de centenas de mortes de soldados e civis portugueses (mais de 1000 no total) face ao limitado número de baixas (pouco mais de 30) derivadas da não resistência das Forças Armadas portuguesas no terreno. Apenas resistência e martírio eram publicamente aceitáveis para Salazar, no desenlace da queda da Índia." (p. 255)
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"Salazar não teve pressa alguma em libertar os militares que se tinham rendido, desobedecendo às suas ordens. Por outro lado, tinha todo o interesse em afastar de Moçambique uma população indiana politicamente adversa ao regime, que controlava o volumoso negócio da produção e exportação de caju local para a União Indiana. Procurou, pois, trocar esses cidadão indianos pelos militares portugueses presos na Índia." (p. 265)
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Os militares portugueses que se renderam na Índia só foram libertados em Maio de 1962. De regresso a Portugal, foram recebidos pela Polícia Militar. Seguiu-se o apuramento de responsabilidades. Dez oficiais foram demitidos, cinco passaram compulsivamente à reforma e nove foram condenados a pena de inactividade por seis meses. "Os restantes militares foram ilibados de quaisquer responsabilidades. A memória das condições, prestação e castigo das Forças Armadas portuguesas na Índia foi uma sombra permanente nos 14 anos que se seguiram de guerra em África." (p. 250)
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