domingo, 17 de dezembro de 2006

Carta Aberta a propósito da Memória

Caro Pacheco Pereira
A sua crónica de quinta-feira passada (7/12)fez-me sorrir e pensar. Sorrir pela sua falta de argúcia. Escreve que o PCP participa e apoia as iniciativas do Movimento Cívico Não Apaguem a Memória!. Mesmo sem argumentar que este é composto por cidadãos a quem não se pergunta a sua filiação partidária, é fácil perceber que ao PCP não interessaria que este movimento existisse. A razão está, inclusivé, nas suas palavras – o PCP considera como sua propriedade privada a “memória” da resistência ao Estado Novo. Ora, no desenvolvimento das suas acções, o “Não Apaguem a Memória!” vem questionar essa “propriedade privada”, o que, naturalmente, não é bem visto na Soeiro Pereira Gomes, de onde não veio participação ou apoio. Este Movimento não é uma organização satélite do PCP nem de qualquer outro partido. Se o fosse, estou certo de que eu e a maioria dos que nele participam não lhe teríamos dado o nosso empenho. Falamos com todos, mas não obedecemos a nenhum!

A questão do arquivo do PCP também me parece óbvia. Enquanto houver a possibilidade de retirar dividendos políticos do seu uso, o PCP não o abrirá a ninguém. O que do ponto de vista da propriedade, e apenas nesse, é legítimo. Continuará, assim, a haver ficções sobre “grandes antifascistas” e, em contraponto, esquecimentos éticamente censuráveis.

Não concordo consigo quando algo professoralmente recomenda a necessidade de juntarmos à “memória edificada” a “memória dos homens”. Creio que só o diz por ter da nossa actividade um conhecimento desprendido, pois desde o primeiro plenário deste Movimento que esse é um campo de trabalho que se vai explorando na medida do esforço e disponibilidade de alguns. O que acontece é que tem frutos menos visíveis e necessita de mais tempo e trabalho de outra natureza. É óbvio que a “memória edificada” necessita da “memória dos homens”, caso contrário o “edifício” perderia o sentido. Mas, Pacheco Pereira, fica aqui feito o convite para que participe connosco nesse esforço conjunto, sobretudo tendo em conta o trabalho de investigação que já fez, integrando um dos vários grupos de trabalho ou, se preferir, criando um outro que lhe pareça necessário.

Este Movimento considera que pode dar um contributo em prol da memória do que foi a resistência à ditadura no Estado Novo. E pretende fazê-lo. Mas não temos vocação monopolista nem universalista. Propomo-nos, por um lado, honrar e dignificar os que lutaram e sofreram para derrubar a ditadura e, por outro, criar as condições para preservar essa memória em defesa da democracia e da liberdade. Poderemos, com isso, vir a cair num gueto político? Não sei! Sei que temos de definir fronteiras para não nos transformarmos em lamentáveis alforrecas políticas. Sei que temos de eleger com rigor o nosso campo de acção para não corrermos o risco de nos tornarmos inconsequentes.

Some-se com o nosso o trabalho de outros, cidadãos, organizados ou não, porque o importante é que a memória exista e esteja disponível para todos, dos miúdos da escola aos “tecnocratas que nos governam”!

A propósito, na próxima segunda-feira dia 11 de Dezembro, às 14h30, vou ser julgado, juntamente com Duran Clemente, por ter organizado e participado no protesto de 5 de Outubro de 2005 na Rua António Maria Cardoso, a propósito da extinção da memória da sede da PIDE/DGS.
Apareça!

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