Realçar o papel da mulher portuguesa na resistência ao fascismo é o objectivo do colóquio que no próximo dia 8 de Março o Movimento Cívico Não Apaguem a Memória! promove na Biblioteca-Museu República e Resistência, em Lisboa. Destina-se, como é óbvio, a assinalar o Dia Internacional da Mulher e a trazer à memória actual o que foi a luta das mulheres pelo fim da ditadura. Combates de sofrimento e, também, de alegria, mas, sobretudo, combates pelo nascimento de um mundo livre e igual. Uma sociedade livre da brutalidade das forças repressivas do Estado Novo, vivendo dentro de padrões de dignidade cívica.
Para quem se ocupa destes temas – e o dossiê que se segue assim o confirma – é frequente dizer que o apelo das mulheres para entrar nesse trilho de privações e sacrifícios foi, sobretudo, afectivo. Ao invés do que se passou com os homens, que geralmente chegaram à resistência através de um processo político de consciencialização – da sua classe social ou por opção intelectual. Razão dupla para saudar essa atitude: de completo desprendimento de si e do legítimo direito a uma vida familiar confortável, por um lado; de dedicação sem limites à causa do companheiro, do pai ou do irmão, por outro. O caso de Catarina Eufémia (na foto) é também disso um exemplo.
4 comentários:
As generalizações têm destas coisas, com a de poder descambar na androgenia antifascista. Julgo ser o caso deste lamentável post. São inúmeros os casos de mulheres resistentes a corpo inteiro e sem terem sido muletas de combatentes masculinos, não remetidas a aopoios dos "companheiros". Aliás, entre as militantes operárias clandestinas do PCP, aquelas a quem mais se pretendeu relegar aos papéis de "apoio", é conhecido que houve um esforço sério de revolta e rectificação de que o jornal "A Voz das Companheiras" é um bom exemplo. Mas, entre as resistentes de origem intelectual, e muitas foram, como aplicar o cliché utilizado? Maria Lamas, Cândida Ventura, Alda Nogueira, Virginia Moura, Margarida Tengarrinha, Georgete Ferreira, Sofia Ferreira, Zita Seabra, Maria Eugénia Varela Gomes, alguns exemplos, concentravam as suas tarefas a apoiar homens resistentes? Se sim, surge-me como novidade. Sobretudo a partir da década de 60, com o eclodir das lutas estudantis alargadas e nas 3 academias, as milhares de estudantes activistas que partiparam nessas lutas alguma vez aceitariam a secundarização perante os colegas machos? E que dizer do exemplo escolhido de Catarina Eufémia? Como assim, se é sabido que, na sua família, era ela, e não o marido, que tinha mais determinação para o combate social e político? Ela foi assassinada a dirigir uma luta camponesa ou a dar apoio ao marido, ao filho ou ao irmão? Registado o meu espanto, desejo o maior sucesso à vossa iniciativa.
João Tunes
Concordo com o comentário de João Tunes e, ainda que associada à homenagem de 8 e 10 de Março, jamais perfilharei que as razões para as mulheres se terem entregue à luta e sacrificado até a vida possam ter sido sobretudo afectivas, remetendo-as para alguma irracionalidade. Além dos exemplos que João Tunes aborda, no caso das mulheres do Couço, uma aguda consciência de classe, transformada em consciência política mercê das lutas, podia levá-las até a entrar em confronto com os próprios companheiros. Mais, parece-me insultuoso para muitas das mulheres da resistência remetê-las para um universo de que a família seria o centro. O post diz pouco sobre mulheres da resistência, mas muito sobre preconceitos, à esquerda, como à direita.
Inacreditável forma de homenagear as mulheres resistentes. Segundo o texto, as mulheres não agiam por consciência política, mas por dedicação aos maridos ou outros familiares. Toda a história da resistência antifascista e não só o desmente totalmente. Trata-se de uma reedição lamentável de velhos estereotipos sobre a incapacidade política das mulheres,que julgavamos mortos e enterrados. Lembro que foi em nome da "emotividade" das mulheres (em contraste com a "racionalidade" dos homens"), que se lhes negou o direito de voto, logo nas primeiras cortes liberais portuguesas.
Velhos preconceitos que até nos faziam rir, mas que pelos vistos ainda mexem.
Não queremos que a história da resistência contra a ditadura reproduza narrativas hegemónicas machistas. Não podemos fazer uma valorização assimétrica da participação dos géneros masculino e feminino na luta pela democracia. O trabalho de memória passa por uma pluralidade de perspectivas. A minha inclui o feminismo.
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